domingo, 12 de março de 2017


                         TRUMPITLER

 

       Entre Trump e Hitler, e não contando com o maldizer, o insulto, a calúnia e a desconsideração política com que foram entendidos nos primeiros tempos, há afinidades. A começar por serem ambos actores consumados. A continuar por nenhum dos dois ser político de carreira, ou sequer de vocação. E mais aquela das afinidades que hoje me apraz registar que é a da audácia (podem pôr descaramento, irresponsabilidade ou coragem) de querer levar à prática uma infâmia que a maioria gostaria de ver consumada, mas sem que governante algum tivesse a audácia (o descaramento, a irresponsabilidade ou a coragem) de se chegar à frente para a realizar.
 
 
       O kaiser Guilherme II escreveu a alguém, em 1925, que o mal da Alemanha estava nos judeus. Os judeus (segundo Guilherme II) eram os indesejáveis parasitas de que a humanidade teria de se ver livre quanto antes, fosse de que maneira fosse, e acrescentando que o melhor seria pelo gás.
       De resto, é bom que se diga, desde sempre que a animosidade contra os judeus fora cultivada na Alemanha, séculos de desprezo. A Alemanha gostaria de se ver livre dos seus judeus, mas jamais lograra produzir uma individualidade ou um sistema capazes de levar essa sua vontade por diante com eficácia, acabando por transformar um desejo premente em utopia irrealizável.
 
 
       Chegado do nada, mas promovido, evidentemente, pelas sociedades secretas de orientação racista, Adolf Hitler aparece no cenário político alemão pós-I Guerra Mundial. É ele o Parsifal, o puro louco, o redentor, o libertador do Graal ariano.
       É ele o insensato audacioso que com toda a simplicidade se dispõe a passar à acção naquilo que todos mais desejam mas que até aí ninguém tivera a audácia (ou o descaramento, ou a irresponsabilidade, ou a coragem) para empreender, a limpeza étnica, a solução final.
       Foi o que se viu.
 
 
       Passaram oitenta anos. O látego dos valores ocidentais já não são os judeus. Obviamente. Os judeus limitam-se a comandar a vida financeira do Ocidente cristão – tudo quanto a Alemanha temia oitenta anos antes.
       A ameaça chega agora das mesmas paragens abafadiças do Oriente Médio.
 
 
     A ameaça é social, é militar, é cultural. É fundamentalmente religiosa. A ameaça é árabe, é islâmica, é violenta, é radical. E ataca tanto no coração da Europa como no centro financeiro mundial, sito em Nova York.
 
 
     Todos a querem travar, esmagar, construir-lhe uma solução final. E todos pensam (ainda que nem todos o digam) que as migrações massivas que chegam da África do norte ao mundo ocidental podem ser o cavalo de Troia do radicalismo muçulmano decidido a invadir e a minar por dentro os valores ocidentais.
       Que fazer?
       Fazer o que seja politicamente correcto fazer? Mas pode não chegar contra um inimigo politicamente (e socialmente) mais do que incorrecto.
 
 
       Mas há que travar a penetração islâmica radical na Europa e nos EUA. Como? Tomando medidas repressivas. Eventualmente medidas que contendam com o politicamente correcto dos mesmos valores cristãos que a turbulência terrorista pretende seriamente atacar. Seria preciso proibir. Seria preciso perseguir. Seriam precisas medidas radicais contra o radicalismo. Ou medidas politicamente incorrectas para perseguir a máxima incorrecção.
       Pois era. Era preciso um dirigente de uma poderosa nação ocidental disposto à audácia insensata (ao descaramento, à irresponsabilidade, à coragem) de tomar medidas radicais, proibir, perseguir. Qual, quem? Donald Trump, o impolítico profissional.
 
 
       Donald Trump? Faça favor. Mostre-nos lá do que é capaz.
Sai um decreto que veda a entrada a naturais dos países árabes exportadores de violência. Caem-lhe em cima os próceres do politicamente correcto, dos sentimentos humanitários, dos direitos humanos, da tolerância, dos valores da cristandade ameaçada.
 
 
       Toda a América sabia que a penetração da droga no país se fazia principalmente pela fronteira com o México. Toda a gente concordava em que era preciso travar esse fluxo aterrador que há muito minava as estruturas mentais da sociedade americana, proibir, perseguir. E nenhum político, ou legislação, ou iniciativa, ou vontade, se mostrava à altura das circunstâncias.
Até que chega um audacioso insensato (descarado, irresponsável, corajoso) para tal cometimento. Quem? Donald Trump.
Donald Trump? Mostre-nos então as suas habilidades nesta matéria.
Trump estava pronto para outras medidas radicais contra os radicalismos que são a marijuana, a cocaína e a heroína.
 
 
Um muro a erguer ao longo da fronteira mexicana; mais a proibição, a perseguição e a expulsão dos indesejáveis. E de novo lhe caem em cima os direitos humanos, a tolerância, os valores cristãos, a sensibilidade civilista e moderadora das opiniões publicadas.
 
 
       Então como é? A maioria dos cidadãos quer medidas radicais contra os radicalismos violentos, e quando aparece um insensato audacioso (ou descarado, ou irresponsável, ou corajoso) que se propõe tomar as primeira medidas contra as reais ameaças, bolas!, todos o atacam? Como é?
       Bem sei que as coisas não são tão simples assim. Bem sei que a tomada de certas medidas contende com um sistema de vida, de sociedade e de política em que até os radicalismos violentos e invasivos podem ser absorvidos pelo sistema e fazer funcionar certos mercados, o da droga, o das armas, os mais poderosos de todos e de longe os mais lucrativos.
 
 
       E ficamos assim, à espera para ver o que tudo isto pode dar.