quinta-feira, 3 de setembro de 2015


                                  TÈRPSIS

         O que dá prazer.
         Prazer dos deuses e prazer dos mortais.
         Quem estiver presente poderá observar a graça de todos e deleitar a alma e contemplar homens e mulheres de belos cintos e os barcos velozes e suas abundantes riquezas.
 
 
         Poderia ouvir e apreciar a beleza da voz das virgens de Delos que imitavam todas as vozes e todas as pronúncias; poderiam apreciar a poesia recitada e a poesia cantada que facilmente instaurava a relação pessoal entre artista e público.
 
 
         Se os faço chorar serei eu a rir, porque ganho o meu dinheiro; se os faço rir serei eu a chorar o dinheiro que perco.
         A explosão das emoções era coisa perigosa para Platão. A República excluía os poetas. Porque o rapsodo fascinava o público até à hipnose ao sugerir-lhe imagens das cenas épicas que vai contando. O efeito de um íman sobre os anéis de ferro, considera Platão. Um poder magnético criado pelo poeta, encarnado e interpretado pelo rapsodo e transferido para o público. O intérprete crê tanto no que interpreta que ao interpretar fica fora de si. Recito um conto comovente e os olhos enchem-se-me de lágrimas; e quando recito alguma coisa de medonho é o medo que me eriça os cabelos e sinto o coração palpitar.
 
 
         Na tragédia, cada momento de crise provoca reações violentas no público. Há notícia de arrepios, de tremores, de cabelos eriçados, de vertigens e palpitações, de dispneia, de frio nas entranhas, de tensão por todo o corpo.
 
 
         A poesia era um perigo – uma pena que já não o seja hoje em dia. A poesia era, por outro lado, um elemento providencial de civilização – pena que já não o seja nos dias de hoje. A poesia era um feitiço de consequências mágicas (thèlxis) – que pena não o ser ainda hoje. Era canto de sereias e sedução de Circe.
 
 
         Píndaro: as figuras mágicas que lembram as sereias, no frontão do templo de Apolo, em Delfos, cantavam com tal suavidade que os homens se esqueciam das famílias e desfaleciam hipnotizados pelo canto, razão suficiente para a decisão dos deuses de destruir o templo.
 
 
         Musas são as sereias homéricas, e perversas, que têm o dom da memória total e vivem a decadência vergonhosa e mortal, em contradição com a imortalidade da fama, que é de ordem divina, e por isso imperecível. O encantamento das musas, porém, é momentâneo, avassala os ouvidos mas não vive nos lábios dos homens. Um fenómeno acústico. De tal sorte que Odisseu (Ulisses) lhe sustém por meios físicos os efeitos mágicos ao tapar os ouvidos (os dele e os dos companheiros) com cera, atando-se ao mastro da nave.
 
 
         As artes da linguagem profissionalizam-se e de aparato mágico transformam-se em procedimento técnico, racionalizam-se – século IV e V.
 
 
         Pitágoras, Górgias, Pródico dão aulas de retórica, ensinam as técnicas de magia, e estabelecem uma relação íntima entre os métodos dessa magia e os efeitos das drogas alucinogénias. As lições davam a aluno a chave das artes de convencer as massas jogando habilmente com as sensações.
         Tucidides analisa os poderes de Péricles e chega à conclusão de que uma parte deles resultava dessa habilidade técnica de convencer multidões. Era uma sensibilidade nova para os dramaturgos e comunicadores políticos, essa de manipular as emoções de uma grande multidão, dominando as técnicas do pânico, da histeria, da compaixão, da generosidade.
 
                     
         O teatro vence a assembleia e o tribunal em popularidade, no concitar a emoção as massas, e Platão pretende que se substitua o poder da poesia em provocar emoções pelo diálogo filosófico, mais próprio do Estado ideal.
A musa mais bela era a que podia dar prazeres aos melhores e mais educados dos homens. À elite, já se vê, e não às massas emotivas e ululantes
 
Depois sorteavam-se júris para premiar os dramas, o que leva Platão a afirmar que a uma aristocracia estava a suceder uma vulgar teatrocracia.
Mas Péricles orgulha-se da cidade, Atenas, pela quantidade de distrações que tem para oferecer e que fazem esquecer a dureza do trabalho de todos os dias, e porque o prazer (tèrpsis) afugentava o cansaço. Atenas não se comparava com Esparta. Atenas era superior, porque mais aberta, permitindo a todos ver e conhecer tudo. Atenas era um exemplo de educação e civilização para toda a Grécia.  
 
 

 

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