segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

                            O NAZISMO ÁRABE 3

       Hassan Al Banna é assassinado em 1949, mas a Irmandade Muçulmana não afrouxa nos propósitos de envolver todo o mundo árabe numa causa comum e vai combater os nacionalistas de Nasser. 

                                                       

         O ideal era fundar um Estado sobre a base da lei corânica, a Charia. É o que pretende Sayyd Qutb, o herdeiro político de Al Banna quando desencadeia os sangrentos motins de 1952 contra o ocupante inglês.


         A base. A base teórica do islamismo. A Base. Al Qaeda – que quer dizer isso mesmo, a Base. Al Qaeda, a Base, que nasce dos movimentos insurrecionais e vai, muito mais tarde, criar o seu campo de acção globalizado e aplicar no terreno as teorias interpretativas radicais do Corão caras aos seus antepassados anti-colonialistas.


Mas só em 1980. E no Afeganistão. Um Afeganistão em armas contra outros ocupantes, os soviéticos. 

                                                     

Está declarada guerra ao exército vermelho, mas é claro que os afegãos não têm quaisquer hipóteses. A desproporção de meios e de forças é monstruosa e era óbvio que alguém teria de se chegar à frente e auxiliar a depauperada força islâmica que combatia o ocupante russo. E quem haveria de ir em socorro dos mujahedin para combater o inimigo russo, para além dos estados árabes mais poderosos, e quando o inimigo do meu inimigo, meu amigo é? Os EUA, está bem de ver. 600 milhões de dólares anuais de ajuda. Conselheiros militares às carradas. Armamento moderno em barda, com o protagonismo nos famosos mísseis terra-ar Stinger.


Os militantes da Irmandade infiltram facilmente os guerrilheiros afegãos. São os tais wahhabi. Vêm da Arábia Saudita e trazem com eles outros dos países do Golfo, da Palestina do Magreb. Trazem até com eles uma quantidade de voluntários americanos e franceses acabadinhos de converter à leitura fundamentalista do Corão, à Base.
                                  
                               


Mas os chefes da resistência afegã, com o notório comandante Ahmed Massoud à frente, não vêem com bons olhos tanta mistura, quer dizer, a rede internacionalista que acorre às montanhas afegãs para prestar uma ajuda que podia trazer certa água no bico.


Nasce aí o fundamentalismo islâmico, do qual temos hoje tantas e tão desgraçadas notícias. É a Base. Al Qaeda.


O Afeganistão vai tornar-se naqueles anos 80 um campo de experiências político-militares. Morrem muitos. Mas isso é o menos. O fundamentalismo interpretativo das leis corânicas não se comove com mortos e feridos e vê mais longe. A Charia tem que ser imposta aos países da vizinhança e às repúblicas islâmicas da Ásia Central. A força teórica dominante chega do Paquistão, e os mais radicais dos teóricos sectários são intelectuais, engenheiros, médicos, a maior parte deles egípcios.


Entretanto, os soviéticos começam a apanhar pela medida grande e já só mal e porcamente conseguem pôr meios aéreos em acção. Os misseis americanos, os tais Stinger, que a CIA ofereceu em 1986 dão cabo da aviação russa.

                                                                          

O Afeganistão é um imenso campo de treinos militares. E o nefando e enjoativo lugar-comum do bolo e da cereja aplica-se aqui à maravilha quando chega ao Afeganistão o sheik Abdul Rahman para dar o toque final nas recomendações teóricas e operacionais básicas. “Meus queridos irmãos da minha alma, fiquem sabendo que de hoje em diante todos vocês estão autorizados a executar barbaramente também os vossos irmãos muçulmanos que tenham a infeliz ideia de começar a fazer fora do nosso penico ideológico. É tudo em nome da jihad. E nós, no Egipto, pela nossa parte, já começámos, ao fazer a folha ao Anwar Sadate.”

                 
  
                                                

Era um tabu violado. Era uma cortina rasgada, uma proibida fronteira transposta. Era uma guerra santa. Que nem poupava os próprios irmãos de raça e fé. Era uma estratégia de sacrifício. Era uma ética gloriosa de martírio. Era a Al Qaeda.


O Islão sentia-se ameaçado. O sacrifício seria tanto mais glorificado quando mais contribuísse para a salvação dos valores sagrados do Islão. O militante deixaria de dispor do seu corpo, da sua vontade, da sua liberdade. Dos seus valores e obediências familiares, até. O compromisso com a causa do Islão teria de ser total e absoluto.


Há um militante wabbita que se destaca da massa dos outros e se impõe – pelo seu dinheiro, pelos pergaminhos e pedigree familiares. Chama-se Osama Bin Laden. Cortou relações com o regime da sua terra natal, a Arábia Saudita, a ímpia.
Bin Laden tem condições para federar as diversas redes operacionais do Afeganistão. Tem carisma pessoal que chegue. Tem larga fortuna pessoal. É um orador veemente. Tem aliança com os serviços secretos do Paquistão.


Paquistão onde fiéis fartamente endinheirados abrem os cordões às bolsas e financiam as operações da jihad. É um esquema financeiro clandestino que inclui comerciantes de todas as áreas, super-mercados, restaurantes, madrasas – viveiros inesgotáveis de recrutamento de operacionais e mártires.


Em 96 os talibans tomam o poder em Kabul, embora sem uma estrutura de Estado constituída. Os wahhabitas instalam campos de treino no inóspito território. Só com uma excepção, que é o vale de Panchir, onde pontifica o renitente comandante Massoud. Mas não há um projecto nacional. O território está politica e militarmente à mercê de quem tenha força e meios financeiros para fazer dele um santuário da causa islâmica. E Bin Laden tem isso tudo. E é a Al Qaeda que se agiganta. O Afeganistão será a base da Base.

                                                    

Mas a realidade é complexa. Os chefes talibans continuam porém a desconfiar dos sectarismos do internacionalismo que tomou conta do território e que não presta atenção de maior às prementes questões tribais. Os talibans reservam-se então o direito a uma identidade político-religiosa, fundada na pureza dos seus códigos de virtude – há um ministério do Vício e da Virtude. O pessoal da Al Qaeda quer instaurar o seu quero-posso-e-mando no todo ou em parte do território, preparando a jihad com todos os matadores – aqui com toda a propriedade – e exportando a jihad para outras paragens sempre que seja conveniente. As duas posições podem conciliar-se aqui e ali, e podem divergir neste ou naquele ponto. E logo se verá.


E logo se veria. E logo se veria porque – diferentemente dos nazis, e segundo o investigador Olivier Roy – a Al Qaeda não tinha qualquer projecto político. Não se conhecia a alternativa de Bin Laden à ordem estabelecida. Era uma organização islamita que Bin Laden governava sem o mínimo projecto de sociedade. Pelo menos publicado.


O mullah Omar é o artista principal das estratégias talibans. Não quer chatices com a comunidade internacional, quando só três países (Paquistão, Emirados Árabes e Arábia Saudita) reconhecem o governo taliban. Ao passo que Bin Laden quer ir às últimas consequências no seu projecto exportador da jihad, e pode mesmo adoptar para tanto uma lógica suicidária num movimento político-militar com as suas discordâncias intestinas, a actuar numa táctica de grupos estanques, táctica semelhante à da guerra contra os soviéticos.
À sombra do regime dos talibans, a Al Qaeda assume um perfil meio clandestino. Bin Laden varia de esconderijo entre Kandaar e Jalalabad. As adesões à causa crescem e multiplicam-se. Chegam, são doutrinados e instruídos militarmente, e partem. Globalizar a Charia, eis a questão. Contra a vontade dos talibans, a Al Qaeda destrói as gigantescas estátuas de Buda. E é criticada por isso. E criticada até pela comunidade muçulmana.


O regime taliban está isolado. Era o que se pretendia. Era preciso isolar o Afeganistão do resto do mundo, de forma a alargar ainda mais as bases de treino da Base e a constituir-se como modelo de jihad.


E entra o mês de Setembro de 2001. É o passo mais grandioso da Al Qaeda. E é um princípio de declínio. O mundo toma, enfim, consciência aguda da realidade terrorista à inusitada escala mundial. 


O mundo compreende enfim o quanto está indefeso perante a ameaça e sua variedade táctica que até então não chegara a encarar com a devida seriedade. A CIA cai em si e na sua competência muitíssimo relativa para lidar com o fenómeno que não previu – só dois homens da CIA compreendiam o pashtun, a língua tribal em que se desenvolviam as comunicações dos terroristas. A CIA nem compreendeu o significado da morte do opositor islâmico maior da Al Qaeda, o comandante Massoud, assassinado por dois falsos jornalistas marroquinos, exactamente na véspera da tragédia do World Trade Center.


(Mas tudo isto, esta parte do 11 de Setembro, bem entendido, se tomarmos como boas as versões que foram oficialmente fornecidas ao mundo pelas autoridades americanas.)
Declarar guerra ao terror era o imperativo. Terror que era outra categoria fenomenológica da tão idolatrada globalização. E vem o 11 de Março de 2004 em Madrid. E vem o mês de Julho de 2005 em Londres. A exposição mediática da Al Qaeda tocava o seu ponto de excelência, e grandemente ajudado pelo próprio inimigo, o Ocidente e seus media. A guerra estaria para durar. De intensidade variável, sim, mas devastadora na sua imprevisibilidade ao colocar em causa a própria estabilidade dos países alvo.


 Guantanamo. A Al Qaeda fica em apuros pela prisão de alguns dos seus chefes. Mas é nesses apuros que cimenta novas forças, novas radicalizações, e mais perigosa quanto mais o Ocidente a mitifica e demoniza, esteja Bin Laden vivo ou morto.

                                              

Tantos anos passados depois do 11 de Setembro e o Ocidente ainda de calças na mão sem atinar com a forma de vencer um inimigo que se dispersa, que usa a seu favor e da maneira mais eficaz os meios que o Ocidente criou, a Internet, a grande circulação de capitais e de pessoas, a globalização que o Ocidente celebrou tão festivamente.



O investigador que já citei, Olivier Roy, negava a evidência de um choque de civilizações neste terceiro milénio. A violência extrema e o terrorismo seriam então somente um produto da desculturalização de alguns grupos religiosos, e desde o momento que as mais brutais das acções da Al Qaeda estariam a ser executadas por muçulmanos de segunda geração, ocidentalizados, muitos deles franceses, belgas, ingleses e americanos convertidos. Nada a ver com um projecto de sociedade islamita tradicional. Tudo a ver com o gratuito de tanta mortandade – o sinal dos estranhos tempos globais.
                                                       
                                                  

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

   O NAZISMO ÁRABE 2
       
     Que ele, depois do que se tem visto, dá sempre para desconfiar destas coisas. O Hollande estava com a popularidade de rastos. Veja-se como é que ele ficou nas sondagens depois do morticínio do Charlie Hebdo. Ele o 1º ministro Vals…
       Nunca se sabe (e cada vez se sabe menos e se esconde mais) o que se passa por detrás dos acontecimentos mais mediáticos…


       Liberdade de expressão, direito à informação, Je Suis Charlie e mais umas quantas tretas. Mas qual liberdade de expressão? Que direito à informação? Para quem? Quem usa a tão reclamada liberdade de expressão? Não devem ser os jornalistas enfeudados aos interesses do grande capital dono dos jornais e das cadeias de televisão, a quem fazem todos os fretes de ocultação de algumas verdades e divulgação de algumas mentiras, conforme convenha aos patrões...


Adiante. Pergunta-se: estaremos outra vez num tempo de ruptura dos limites do humanismo? É nessa perspectiva de desafio à moral e à ética do Ocidente, aos limites consagrados de violência, que se podem vislumbrar também os pontos de conexão entre o actual terrorismo islamita e o terrorismo de Estado mais actuante da História contemporânea, o nazismo.

   
                                                 

       Hitler operou as suas rupturas executando em concreto e no terreno, e com a mais inusitada violência, o plano estratégico de conquista de espaço vital e o plano racista da solução final. Era o que muitos alemães militaristas e anti-semitas sonhavam há séculos, a ocupação da Europa e o extermínio dos judeus, mas que ninguém, até Hitler, tivera a força anímica para levar a efeito.
       Por meio de uma sacralização do poder político-militar. Hitler atropelou todos os limites. Foram treze devastadores anos de poder. Uma exacerbação aos estados paranoides, em trânsito do plano pessoal ao plano colectivo, nacional. E justamente no país da Europa mais desenvolvido espiritual, intelectual e cientificamente.


      Gore Vidal escreveu em tempos que se porventura alguém se metesse à tarefa de inventar uma religião capaz de dominar uma população não teria criado melhor do que o judaico-cristianismo. A meu ver, melhor do que o judaico-cristianismo para tal desiderato pode ter sido o islamismo. As provas estão aí, à nossa porta.
       Ou talvez o contrário – o que vai dar no mesmo. As ideologias, paridas por processo intelectual, fundadas em princípio na razão comum, uma vez popularizadas dão em crenças, e o lugar-comum ideológico pode atingir tão profundamente as almas que resulte em paixão, paixão nacional, paixão racial. De qualquer modo, poderosa carga emotiva que tocará as almas como uma fé religiosa.

                                                      

       Ouvindo os muçulmanos dos diversos credos, há os que dizem que os mandamentos do Islão não incitam a matar ninguém, que é uma religião de paz e amor; e há os que proclamam (e executam) o flagrante contrário disso. O que nos convida a pensar que estamos em presença do que alguns mestres psicanalistas chamam de paranoia, eventualmente combinada com uns pós de esquizofrenia, distúrbio caracterizado por um delírio de interpretação dos factos, e chegando alguns a dizer que o nosso presente estado de vida comunitária é um estado político de paranoia, ou seja um desvario instalado no âmago da ordem do mundo.


    A religião, com suas orações, abluções, jejuns obrigatórios, pode ser abrigo de doentes paranoicos ou esquizofrénicos. Tal como a política o é, sem dúvida, todos o sabemos. E até porque uma e outra bebem das mesmas nascentes da consciência humana, e quando a consciência não pode sacar o divino das amálgamas da desordem.


       Rudolf von Sebottendorf, fundador da Thulegesellschaft em 1918, sociedade secreta primordial do nazismo, é que chegou a escrever: o islamismo não é uma religião estagnada, a sua vitalidade é superior à do cristianismo”. E como nós estamos a compreender que o homem até tinha razão, a sua razão. Temos, como digo, as provas aí à nossa porta. 

                                                                            

    E se o tal Von Sebottendorf dizia o que dizia era porque acreditava que os chefes espirituais do islamismo o eram depois de um intenso trabalho de iniciação. Iniciados de alto coturno, estavam preparados para as grandes missões, justamente o que faltava, e continua a faltar, parece-me, ao Ocidente cristão, quer dizer, chefes investidos de alto gabarito espiritual mais do que burocratas ou contabilistas nem sempre competentes.


       O que nascia nas cervejarias de Munique naqueles idos de 20, o nazismo, não era uma ideologia mais, ou um simples movimento político, ou uma mera forma de governo. Era (ou estava para ser) uma religião. Ou uma teocracia pagã. Era um fôlego místico de poderes que aspirava a replicar o vendaval civilizacional do primeiro cristianismo. E todavia, planeada para impor às nações o poder de uma casta governante de mestres iniciados, de senhores preparados para incendiar o mundo.

                                                     

       (Descubramos lá então as parecenças com o islamismo que nos bate à porta.)


       E Hitler (no papel do profeta) não podia ser mais claro quando declarava a um seu biógrafo, Rauschning, o seguinte: a criação não terminou, o Homem chegou a uma fase de metamorfose. A velha espécie humana entrou na fase do enfraquecimento e da sobrevivência. A humanidade sobe um degrau todos os 700 anos. Toda a força criadora se concentrará numa nova espécie e duas variedades evoluirão, divergindo. Uma desaparecerá e outra desabrochará e ultrapassará o Homem actual. Por aqui se poderá compreender o significado profundo do nosso movimento nacional-socialista.

       

       Cá por mim, não fazia a menor ideia de que Maomé ficara órfão de pai e mãe aos seis anos e que aos 25 anos tinha casado com uma viúva rica. Sente-se suficientemente maduro aos 40 anos. Viaja para a Síria e contacta com círculos judeus e cristãos e empreende a missão reformadora entre os politeístas primitivos que o acompanharam. 

                                                                       

    Assentara as teses dele numa base teórica feita de preceitos do arabismo mais arcaico, sem desprezo de alguns pontos do cristianismo e do gnosticismo. Deus era um. Deus era Único. E o paraíso era o prémio para quem seguisse o que Deus mandava dizer pela boca do seu profeta, ou seja, ele mesmo, Maomé. E por aí fora. Até entrar em Meca sem oposição, no ano de 630, e purificar a Kaaba, e limpar o santuário das imagens dos ídolos – o que me faz lembrar os iconoclastas da Al Qaeda do Afeganistão, que em Março de 2001 fizeram em cacos as estátuas gigantes de Buda incrustadas na montanha nos seculos V e VII, e que continham em si o simbolismo de um primeiro encontro civilizacional entre Oriente e Ocidente, entre o budismo e a escultura grega.



                                           
                         

       
       Com Maomé em Meca (onde aliás tinha nascido), com a Kaaba purificada, fundava-se a religião nacional dos árabes, desde logo com fortíssima vocação expansionista. E depois os seguidores de Maomé. Abu Becre. Omar, que funda o império árabe ao submeter Damasco, Jerusalém, a Pérsia, o Egipto.


         Isto assim por alto, já se vê.


       A barreira de fogo entre o Islão e o Ocidente levantava-se no Mediterrâneo e feria a unidade helénico-romana. Os árabes vão-se à Asia Menor e conquistam. Vão-se à Africa do Norte e conquistam. E consuma-se a separação. O Mediterrâneo, de ponte para intercâmbios culturais, passa a linha demarcatória dos mundos, o islâmico e o cristão ocidental.


       E já o papa Pio II, no Congresso de Mantova de 1459, invectivava os venezianos, quando estes recusaram a cruzada que Pio II propunha. Ah, raça veneziana, quanto do vosso antigo carácter haveis perdido! A culpa disso está no vosso grande comércio com os turcos. É isso que vos faz amigos dos maometanos.

                                                                           

       Mas estava a ser injusto, este papa. Ninguém se tinha batido com mais denodo contra os turcos do que os venezianos. Mas é claro, negócios são negócios, ainda que postos à parte dos amigos. Mas a capacidade sedutora e conquistadora do Islão é muito forte, e sabe-se que se Constantinopla e várias outras cidades gregas são tomadas por Maomé, o Conquistador, muito foi devido às informações militares de um espião veneziano, um certo Giacomo, nem mais nem menos do que sobrinho do doge.
   Por falar em papas, uma das mais faladas gaffes diplomáticas de Bento XVI foi proferida num seu discurso de Ratisbon, a 12 de Setembro de 2006, quando citou um imperador bizantino: “mostra-me lá então o que Maomé trouxe de novo e só verás tudo quanto há de mau e de desumano”.


       Com este discurso, como se fosse Charlie, Bento XVI põe os muçulmanos em estado de choque e um princípio de pé de vento varre os bastidores do próprio Vaticano.


       Outra coisa, ou seja, a mesma. Os Templários. Cuidado com eles. Mesmo nesta questão, exactamente. Talvez até tivessem sido imprudentes ao fazerem constar que cristãos, judeus e maometanos eram afinal todos filhos do mesmo Deus, o do Velho Testamento. E se calhar tinham razão. E se calhar foi a razão que tiveram ao dizer destas que os deitou a perder. Ter razão era perigoso. Ter razão continua a ser perigoso.

                                                                   

       Mas ainda no século XII os textos sagrados do Islão levantaram dúvidas aos espíritos e às inteligências. Então como era? Era de interpretar à letra o que estava escrito, ou o critério interpretativo das alegorias era o da sensibilidade e o da reflexão individual? E então, sunitas para um lado, e xiitas para outro. Sunitas a dizerem que o Corão não admitia interpretações subjectivas, era para ser seguido à risca sem lugar a sensibilidades particularizadas. Xiitas a admitirem uma interpretação do que era simbólico, na condição porém de o neófito ser guiado por um reputado estudioso: a literalidade era para os espíritos tacanhos, para os limitados de inteligência e de cultura. 


       Teocracia. Islão como categoria teocrática despida de especulação espiritual? Ou Islão como espiritualidade independente da ordem social e política? Os sunitas a advogar a primeira, os xiitas a pronunciarem-se pela segunda. Ganharam os sunitas. Ai daquele que pensasse livremente! Chibatadas no lombo dele. O século XII marcava decisivamente o devir do Islão.


       E com que é que os Templários sonhavam? Com uma Europa teocrática. Com um messias imperial, depois de sujeitas as nações à verdade iniciática, transcendente.


       As coisas na Terra Santa não corriam de feição. Estava-se no ano de 1180. Põe-se a alternativa de um acordo com o inimigo sarraceno. São as elites templárias que o pensam, ao concluírem que os sarracenos, feitas bem as contas, não eram tão bárbaros como os pintavam, nem tinham afinal sido enviados por Satanás. Então, que tal uma aliança entre o cristianismo romano e as mundividências orientais?

                                                       

       Em 1187, Saladino, à frente das suas tropas, entra em Jerusalém. Faz-se um acordo com o homem ou continua-se com a guerra? Os hierarcas de Roma optam pela via da guerra. E é a guerra que continua. E foi o que foi.

                                                                         

       Só faltaria desenvolver a ideia de que Hitler era um indiscutível adepto da heresia do catarismo. E que esse catarismo era apoiado, ainda que não demasiado às claras, pelos Templários.


   Ou só faltaria dizer que Hitler, iniciado na Thulegesellschaft, absorvia os ensinamentos esotéricos extraídos do Islão, a religião dinâmica, operativa, vivíssima, herdeira do gnosticismo egípcio.