sexta-feira, 18 de outubro de 2013

         ESTÁS NA MINHA LISTA NEGRA, DIZ A ZEBRA
         PARA O MOSQUITO
                  (PARTE III)

            - Compreendo, senhor presidente, a filosofia que está na orígem da sua pergunta, mas gostaria que o senhor compreendesse a minha – disse Arthur Miller no dia 21 de Junho de 1956.
            - Estamos-lhe muito agradecidos pelo seu testemunho desses encontros que teve com escritores comunistas, mas só gostaríamos de saber quem participava neles, além de si, senhor Miller…
            

       
        Sim, um dos mais famosos e importantes dramaturgos americanos e mundiais também não escapou aos interrogatórios da Comissão para as Actividades Anti-Americanas.
            Joseph McCarthy caíra entretanto em desgraça mais a sua histérica campanha, que atingira os suspeitos de anti-americanismo aos mais altos escalões do exército, e que foi uma bomba na imprensa americana e mundial. Mas ainda que o mentor da campanha anti-comunista estivesse a ser desacreditado, a Comissão tinha agendado novas e numerosas audiências. E assestara os holofotes em Harvard – no mundo universitário em geral, aliás -, na Broadway – onde alguns actores de Hollywood tinham encontrado guarida para escapar ao interrogatório da Comissão -, e nos ambientes da dança e do bailado.
            E quem faltava aparecer na liça do macarthismo e da lista negra? Albert Einstein. E Einstein apareceu. Pequenos políticos reaccionários conseguiram insinuar no público a suspeita sobre os intelectuais, aterrorizando esse público com perigos inexistentes. Obtiveram sucesso e agora aprestam-se para suprimir a liberdade de ensino e despedem e condenam à fome os que não se lhes submetem. Que deve fazer a minoria dos intelectuais perante esta vergonha? Uma revolução passiva, no sentido gandhiano. Mas a recusa de testemunhar não deve escudar-se na Quinte Emenda e sim na ideia de que é vergonhoso que cidadãos sem culpas sejam sujeitos a tão inconstitucional inquisição. Se um bom número de pessoas estiverem dispostas a dar este duro passo acabarão por vencer. Em caso contrário, não merecerão outra coisa a não ser o estado de escravidão em que se procura colocá-las – New York Times, 12 de Junho de 1953. Era uma carta confidencial a um professor de liceu.
            Saíra a público o relatório dos trabalhos da Comissão para as Actividades Anti-Americanas referente aos anos 1951/52. 58 testemunhas denunciaram um total de 902 dos seus amigos e conhecidos; destes 902 nomes, 700 já haviam sido detectados pela Comissão antes mesmo das denúncias. O recordista dos mais vezes denunciados era o argumentista John Howard Lawson, 27 vezes citado como comunista. Segundo estimativas do próprio Lawson, no momento mais alto da sua expansão a lista negra compreendia cerca de 300 artistas. Adrian Scott, outro dos Dez de Hollywood, era mais preciso: 214 artistas e outros profissionais estavam votados ao ostracismo pelos estúdios, e entre eles 106 argumentistas, 36 actores, 3 bailarinos, 11 realizadores, 4 produtores (independentes, depreende-se), 6 músicos, 4 desenhadores e mais outros 41 profissionais diversos.
      Aumentara desmedidamente o interesse das organizações políticas americanas pelo “comunismo” de Hollywood. À frente dessas organizações perfilava-se a mais influente, a American Legion, que aventava a séria possibilidade de boicotar em toda a América os filmes em que tivessem colaborado algumas das testemunhas hostis à Comissão para as Actividades Anti-Americanas. A Legião Americana tinha em vista um programa de informação pública sobre as estruturas comunistas na indústria do espectáculo. E a Legião Americana não sossegaria enquanto a “limpeza” dos vermelhos de Hollywood não fosse total e completa, e feita segundo as promessas contidas na Declaração do Waldorf de 1947, porque ainda havia em 1951, e a trabalhar em Hollywood, 66 notórios comunistas.


          Sem dúvida que os produtores punham as mãos na cabeça ante a desgraçada perspectiva de um boicote da Legião aos seus produtos. Não era brincadeira – 2.880.000 militantes declarados e um milhão de simpatizantes. Seria a ruína das bilheteiras. E para mais quando no início das audiências de 51 a crise da indústria do cinema começava a preocupar, com uma queda de 40% em número de espectadores e com um número crescente de salas a fechar portas por toda a América. E aí está porque os produtores, ou os presidentes e vice-presidentes das majors, pedem um encontro com os homens da Legião Americana.
            Pedia-se à Legião que fornecesse às casas produtoras de Hollywood todas as informações que arranjasse sobre alguns dos contratados pela indústria envolvidos com o comunismo.
            Os produtores redigem então uma adenda à Declaração do Waldorf de 1947: não tencionavam contratar nenhum reconhecido comunista, mas nos últimos anos ficara difícil distinguir quem era comunista e quem não era, uma vez que muitíssimo poucos dos chamados a depor na Comissão admitiram a sua qualidade de comunistas militantes. E tudo porquê? Por causa da Quinta Emenda. A Quinta Emenda, que lhes dava a faculdade constitucional inescapável de não responder claramente quando indagados sobre as suas filiações políticas, estava a estragar tudo, quer dizer, todos os planos de erradicação do comunismo do mundo do cinema. Daqui decorre, e como recurso dos produtores para aquietar a Legião Americana nas suas tenções de boicote, que todos os interrogados na Comissão que se tivessem escudado na Quinta Emenda passariam, para efeitos de Hollywood, a ser considerados comunistas, ou seja, postos numa lista negra e despedidos sem apelo nem agravo.
            Não se pode esquecer, repito, que a crise na indústria era de meter medo. Basta ver que em 1945 os principais estúdios tinham sob contrato 804 actores, número reduzido, dez anos passados, para 209. Os realizadores  contratados eram 152 em 1945 e 72 em 1955. O mesmo para os argumentistas, que foi o grupo profissional do cinema que mais gente forneceu à lista negra – 490 contratados em 45; 67 contratados em 55.
            A crise. A crise que logo a seguir à guerra afectou seriamente o cinema americano. E se a Fox e a MGM e a Warner e a Paramount produziam os seus filmes e os distribuíam e os projectavam em cinemas de sua propriedade, em 1949 a ordem governamental foi para que as grandes casas produtoras vendessem as suas salas de cinema. Era a regra anti-trust. E como deixava de haver garantias respeitantes a quantas e quais salas iriam exibir os filmes produzidos, a quantidade de filmes produzidos começou a decaír – e, por consequência, o emprego na indústria a escassear.


            A Legião ficou satisfeita com os resultados da chantagem que fizera e rapidamente elaborou para consulta das majors um elenco negro de 300 pessoas ligadas a associações tidas como para-comunistas a trabalhar em Hollywood.
     A Legião funcionaria desde então como agência de censura nos estúdios.
            Mas não faltava muito para a lista negra se alargar e bem aos que, não sendo comunistas nem figurando nela, ajudavam a viver os que a indústria pusera à margem e condenara ao desemprego. O guionista Ring Lardner Jr., por exemplo, trabalhou no argumento de um filme a ser dirigido por Joseph Losey. Losey pagou-lhe o trabalho do próprio bolso e em dinheiro contado, o que lhe valeu ver o seu nome na lista negra. Alvah Bessie, outro dos Dez, trabalh0u num filme de Robert Rossen, o que deu como resultado Rossen ser chamado à Comissão, apelar para a Quinta Emenda, e acabar na lista negra. Desde aí, obviamente, nenhum dos Dez encontrou em Hollywood alguém que o ajudasse a viver.
            Particularidades engraçadas da perfeita democracia liberal- (fascista) americana.
Esperava-se o rebentar de uma guerra com a União Soviética e havia já destinados campos de detenção para os suspeitos de comunismo e subversão.

            
           Ser associado ao comunismo significava, entre outras coisas, perder o direito a ser cumprimentado pelos vizinhos, ter as janelas da casa constantemente estilhaçadas pelas pedras atiradas durante a noite, encontrar no jardim cruzes em chamas (marca do Ku Klux Klan), ter de consolar os filhos que eram humilhados na escola pelos companheiros, quando não pelos próprios professores – fragmento da autobiografia de Lester Cole, argumentista, um dos Dez.

                                                       

            To be a commy– ser comuna – era uma nódoa na reputação e extensiva a toda a família. E amizades velhas se desfizeram naquela época, e já não por diferenças ideológicas, muito mais por medo de se ser amigo de certa pessoa, se ver envolvido com comunistas e assim arriscar o emprego e a sobrevivência. Sentia-me a cair no mais fundo, passava na rua pelas pessoas que conhecia e baixava a cabeça - contou o guionista comunista arrependido Guy Endore.


            Mas tem graça que uma das acusações da Comissão aos chamados comunistas de Hollywood era de nepotismo. O que, por sinal, era verdade. Numa indústria em que a procura de trabalho qualificado era grande o nepotismo era prática comum. Quem quisesse trabalhar como argumentista (e provavelmente como outra coisa qualquer) em Hollywood não se podia apresentar assim, de mãos a abanar de recomendações. Era absolutamente indispensável ter uma connection na indústria. E podia até nem ter a ver com afinidades políticas ou ideológicas. Para ser admitido na indústria quem não tivesse as convenientes connections estava feito. Cada argumentista mais conhecido tinha um círculo (ou uma corte) de amizades e todos estavam permanentemente em contacto. E se um encargo era conferido a um famoso que não o podia ou não o queria fazer o encargo era passado imediatamente a outro membro do círculo (da seita) do famoso. Uma espécie de máfia, vamos lá…
            E também é bom que se diga que o Partido Comunista usou técnicas de isolamento social contra os os antigos militantes delatores e emitiu directivas sobre o tratamento a dar a um delator. A um delator e à respectiva mulher e respectivos filhos. Todos eles deveriam ser alvos do boicote do Partido e deveriam sentir-se miseráveis a cada instante das suas vidas. Era de organizar piquetes à porta das lojas ou dos armazéns onde as mulheres dos delatores faziam as compras. Era de recomendar aos filhos dos militantes que na escola fizessem pouco e maltratassem psicologicamente os filhos dos traidores ou quaisquer outros alunos que pertencessem à família de um delator, marginalizando-os, não falando com eles, ou chamando-lhes espiões e bufos. Era de escrever a giz nas portas das casas do delatores “o gajo que mora aqui é um espião”.
Mas adiante. Alguns argumentistas trabalhavam clandestinamente, anonimamente, com recurso a testas de ferro que lhes assinavam os trabalhos. Esperavam por tempos melhores.
Realizadores e argumentistas, vá lá, ainda podiam contar com algumas saídas para o seu problema, o que não acontecia, ou mais dificilmente acontecia, com os actores, os que tinham que dar a cara, evidentemente. Realizadores e argumentistas podiam ir trabalhar para o estrangeiro; podiam trabalhar em negro (como disse, escrever para outros assinarem), trabalhar para a televisão enquanto a Comissão não virasse os holofotes para aí, trabalhar por salários irrisórios para produtores independentes, off-Hollywood, por assim dizer. Ou viver e trabalhar num combinado destas situações.
            Mas vamos lá a ver as coisas como deve ser, Hollywood fechara-lhes as portas, falo dos argumentistas, mas algumas alternativas de trabalho ainda havia para eles em aberto e desvinculadas de qualquer servidão contratual a uma empresa. O teatro – casos de Lester Cole, Ring Lardner Jr., Dalton Trumbo. A ficção romanesca - caso de Albert Maltz.  O ensaísmo – para Samuel Ornitz, a trabalhar num estudo sobre as causas do anti-semitismo; ou para John Howard Lawson, que tinha finalmente tempo para acabar um livro sobre a escrita cinematográfica.
            Depois de averbar um considerável êxito na Broadway com a comédia The Biggest Thief in Town, em tom de bravata, Dalton Trumbo declarou (em nome dos Dez): a Comissão fez o maior favor que se podia fazer a cada um de nós, os Dez de Hollywood, levando-nos a escrever romances e comédias e obter grandes sucessos.
            Parece que, de uma maneira geral, o sucesso deles na América não foi nada do outro mundo. Um dos Dez, Alvah Bessie, caído na lista negra caíra também em funda depressão, dias e dias a olhar fixamente um ponto para lá da janela de sua  casa e sem saber o que fazer à vida.
            Alguns partiram para o estrangeiro. Estavam convencidos de que na América estava a despontar uma nova modalidade de fascismo, que a lista negra não seria mera manobra propagandística, e que era, sim, o começo de mais fortes acções repressivas. Um novo totalitarismo, ensaiado e derrotado na Alemanha e na Itália, mas a caminho de se transferir para os EUA.
Edward Dmytryk conta que quando estava preso recebera a visita do escritor Howard Fast e que este lhe dissera em segredo que dentro de pouco tempo eles seriam mudados da prisão para um dos campos de concentração que se estavam a construir em Montana…
Corria também o boato de que até as mulheres dos presos estariam em perigo e que os bens dos Dez de Hollywood iriam em breve ser confiscados pelo governo – daí eles se terem apressado a pôr esses bens em nome de pessoas que nada tinham com Hollywood. E na verdade, no condado reaccionário de Los Angeles saía uma lei que obrigava os inscritos no Partido Comunista a comunicar à policia sempre que quisessem viajar para fora da cidade.
Joseph Losey foi a figura que concentrou à sua volta os novos emigrantes do cinema americano que escolheram a Inglaterra para continuar a trabalhar.


As dificuldades de Joseph Losey na América, acusado na Comissão por uma única testemunha, em 1951, tinham começado ainda nos anos 40, concretamente em 1948. Rodava ele o seu filme mais relevante desse período, O Rapaz dos Cabelos Verdes, quando o seu produtor, Adrian Scott (mais tarde um dos Dez) foi parar a uma lista negra, e quando o milionário Howard Hughes pôs em acção uma violenta campanha para enxotar dos quadros da RKO os suspeitos de comunismo. Ou quando Hughes quis que Losey dirigisse um filme intitulado qualquer coisa como Casei com um Comunista. Losey recusara. Ele e outros treze realizadores. E Losey ficou marcado – o cutelo estava a caír mesmo ao meu lado e eu tinha a certeza de que não faltava muito para ser atingido. E como estava chapada no contrato dele uma cláusula a dizer que se ele estivesse de algum modo envolvido politicamente aquele contrato resultaria nulo para todos os efeitos, uma vez Losey denunciado os contratos que tinha estavam automaticamente caducados. E Losey começa a trabalhar sob diversos pseudónimos, Andrea Forzano, Victor Hanbury, Joseph Walton. Virá a estabelecer-se em Londres em 1957. É considerado pelos ingleses um mestre. Pode trabalhar com o verdadeiro nome. Pode empregar argumentistas listados de negro na América. E tem grande sucesso na  Europa.
Sucesso fora dos EUA também o conheceram Edward Dmytryk e Jules Dassin.
Foi no seguimento da primeira audiênca a que se apresentou, em 47, quando se portou mal perante a Comissão, não bufou nomes e foi parar à lista negra, que Dmytryk se viu obrigado a emigrar. Londres. Give Us This Day e Obsession. Mas um belo dia recebeu um aviso do Departamento de Estado dos EUA: devia voltar à América para renovar o passaporte – sem o passaporte em ordem os ingleses não o deixavam lá ficar a trabalhar. Dmytryk não viu outro jeito senão o de cumprir a ordem e assim que pôs os pés em solo americano os homens do FBI deitaram-lhe a luva e enfiaram-no na pildra. Seis meses. Ultraje ao Congresso. Quando sai da prisão, já o sabemos, o homem pensa duas vezes, para que é que eu me ando a armar em revolucionário, o que eu quero é governar a minha vidinha, e implora à Comissão  nova audiência, e testemunha amigavelmente, e dá uns nomes, e volta a trabalhar tranquilamente nos EUA – já vimos isso na Parte II.
Mas essa do bloqueio dos passaportes foi uma invenção de génio das autoridades americanas na luta contra os subversivos. E a mesma sorte de Dmytryk tocou a Adrian Scott e a Ring Lardner Jr., um a trabalhar em França e outro instalado na Suíça a escrever um argumento. Não é do interesse dos EUA que certas pessoas vivam no estrangeiro, era a sentença das autoridades.
Um dos nomes de comunistas que Dmytryk passa à Comissão é o do seu aluno de realização Jules Dassin. Dassin era uma das mais risonhas promessas de Hollywood (Brute Force e Naked City) antes de ser denunciado pelo seu mestre. Ao ser denunciado pelo seu mestre, Jules Dassin arranjou maneira de desandar para o estrangeiro antes que chovesse, e antes que tivesse de seguir as pisadas do seu mestre e o pusessem a dizer se era comunista ou não, e antes que também tivesse que pôr a boca no trombone a acusar os seus amigos se quisesse continuar a trabalhar em Hollywood.


Dassin vai para Londres. The Night and the City. Depois vai até Itália. Mas aí a notícia a dizer que ele tinha sido incluido na lista negra em Hollywood prejudica-o, não consegue trabalho. E vai para Paris. Em Paris começa a escrever para o teatro.  Mas é em Paris, em 1955, que Jules Dassin filma o thriller de grande êxito Du Rififi Chez Les Hommes – Palma de Ouro em Cannes. Filma na Grécia, Celui qui Doit Mourir, em 1957, também com sucesso. E recebe ofertas de trabalho nos EUA. Curioso, não é? É. Where the Hot Wind Blows (em português Nunca ao Domingo) – Palma de Ouro em Cannes outra vez, para a actriz principal, Melina Mercouri, com quem Dassin se casaria. E era a fama mundial. Dassin deve ter dado muitas gracinhas a Deus e à canalhice do seu mentor Edward Dmytryk.  

O México também foi um dos destinos de emigração dos homens da lista negra – Mexico City e Cuernavaca principalmente. Ajeitavam-se no espanhol, estavam relativamente perto de Hollywood, a vida era barata.
Bom, ajeitavam-se no espanhol é como quem diz. O espanhol deles não chegava para as encomendas. Eles só se ajeitavam. O obstáculo da língua era impeditivo, ou quase impeditivo, de algum destino reservado para eles no cinema mexicano. Mas como estavam perto de Hollywood faziam trabalhos em negro, para o mercado negro do cinema americano.
No México tinham a vantagem de não ser preciso terem passaporte em dia para lá viverem. Renovava-se a licença de estadia a cada seis meses e estava a andar. Por lá passaram Dalton Trumbo, Ring Lardner Jr., Robert Rossen, Hugo Butler.
Dalton Trumbo era um dos mais ansiosos por regressar a casa e um dos que mais sentia a injustiça de que fora vítima. Escrevia cartas a torto e direito, a toda a gente, influente ou não, e uma delas, em Janeiro de 1957, ao presidente Eisenhower… condenado, multado, preso, de honra manchada como mentiroso, subversivo e traidor, e imediatamente despedido da indústria cinematográfica, a não ser que volte a comparecer perante a Comissão e a responder a todas as perguntas inconstitucionais que me entendam fazer…senhor presidente, o senhor presidente, que tem mais influência do que ninguém sobre os seus compatriotas, se acha que o que escrevi na presente é verdade, bastará que diga publicamente uma palavra para que a indústria do cinema abandone para sempre una prática que é odiosa aos olhos do mundo inteiro… e nenhuma resposta assinada pelo punho do presidente Eisenhower… terá respondido um conselheiro da presidência, a dizer que o presidente não tinha comentários a fazer sobre aquela matéria, e a que Trumbo, eu diria poeticamente, contra-respondeu…não tendo o presidente comentários a fazer, é minha obrigação moral convidar os intelectuais e artistas da Europa ocidental a resistirem com todas as forças às políticas inquisitoriais, às prisões, ao ostracismo e à recusa de passaportes que na América está a destruir centenas de artistas que vivem no medo…
            - E queria deixar bem claro a todos os presentes que não tenciono dar cobertura ou protecção a quem é comunista, ou ao Partido Comunista Americano – continuava Arthur Miller em 1956. – A única coisa que quero aqui proteger é uma certa ideia que tenho de mim próprio. Não poderei dizer aqui nomes de ninguém. Se o fizesse causaria grandes problemas às pessoas que mencionasse. Por isso lhe digo, senhor presidente, que nestes encontros de que falei participaram escritores e poetas… e olhe, tanto quanto sei, a vida de um escritor, apesar das aparências, é já de si suficientemente dura… e eu não tenho nenhuma intenção de a tornar mais dura ainda do que ela já é. É por isso que lhe peço que não me pergunte nada que diga respeito a outras pessoas.
            Era a linha de defesa de Lillian Hellman – e de outros. No entanto, os contextos políticos, o de 1951 e o de 1956, não eram comparáveis. Para dar uma nega à Comissão nos tempos de 1951 era preciso ser-se muito mais corajoso do que em 1956. Isso não tira, como é óbvio, a que os homens que interrogavam Miller não estivessem ameaçadores e não lhe mostrassem má cara.
            Claro que não aceitaram as razões invocadas por Arthur Miller para não lhes fornecer nomes. Se ele continuasse a recusar responder  às perguntas ficaria marcado por ultraje ao Congresso. Era um aviso que lhe faziam.
            - Veja lá bem, senhor Miller… veja se se lembra se nesses encontros não estaria um homem chamado Arnaud d’Usseau… era ele que presidia  a essas reuniões de escritores, muito próximas do Partido Comunista, vamos lá…. reuniões em que o senhor mesmo, senhor Miller, tomou parte em 47…
            -  Tudo o que lhe posso dizer, senhor presidente, é que a minha consciência não me permite citar o nome de qualquer outra pessoa…
            Já para o fim da sessão, um dos comissários sacou de uma folha fotocopiada, uma página do jornal Daily Worker – órgão do Partido Comunista Americano – com publicidade a uma peça dele, You’re Next, um texto de 1946 que o próprio partido Comunista patrocinara e fizera encenar. Tratava-se da representação de um ritual de interrogatórios feito por uma certa Comissão, talvez aquela mesma que lhe apertava agora os calos. Os comissários agitam a folha como prova inequívoca da proximidade de Arthur Miller ao Partido Comunista.
            - Oh, meus senhores, os senhores não podem acusar-me disso! Os meus trabalhos têm corrido o mundo inteiro. Fui representado em quase todos os países, e até o governo franquista financiou uma montagem da Morte de um Caixeiro Viajante num dos principais teatros do centro de Madrid. Bem vêem que não posso ser responsável por quem leva ao palco as minhas peças, tanto quanto a General Motors não é responsável por quem conduz um dos seus Chevrolet.
                   Ficou nos anais culturais e jurídicos americanos esta tirada.
                Não me recordo de ter lido que Arthur Miller tenha sido preso ou coisa parecida.
            Mas mesmo assim havia formas de sair da lista negra: ou por prestar declarações adicionais satisfatórias para a Comissão depois de se terem prestado as insatisfatórias, casos de Edward Dmytryk ou Robert Rossen; ou pagar uma soma a uma das agências meio mafiosas que tratavam disso. Já para o fim da instituição das listas negras bastava escrever uma declaração ajuramentada dirigida ao empregador. Só ficariam na lista negra pelos séculos dos séculos os que não arredassem das posições entrincheiradas na Quinta Emenda.
            Em 1956, um certo John Cogley publicou um livro Report on Blacklisting, denunciando desde logo a existência de uma real lista negra, e depois a existência de uma indústria dentro da indústria propriamente dita do cinema que tornava possível a alguns limpar o nome dessa lista negra – um processo a que chamaram clearance. O autor, Cogley, foi chamado ao Congresso para se explicar e recusou divulgar as suas fontes de informação. Fosse por isso, também não conseguiu demonstrar à evidência o facto de alguns artistas não trabalharem há anos apenas por motivos de ordem política; nem conseguiu convencer os congressistas de que por meio de pagamento de certa soma (admissivelmente elevada) era possível limpar o nome da lista negra e voltar a ser contratado pelos estúdios.
            O homem pode não ter convencido os congressistas, mas estava a falar verdade. Isto é, havia agências que tratavam da limpeza das folhas, agências que eram indivíduos de menos escrúpulos e aproveitadores dos dramas daqueles que se viam impedidos de ganhar a vida.
            American Business Consultants – propriedade de três ex-agentes do FBI; publicava uma revista que denunciava suspeitos e em contrapartida isentava de suspeitas os que pagavam uma taxa; publicou uma “bíblia” das listas cinzentas em que compareciam 151 artistas apontados como envolvidos em actividades para-comunistas.
            Wage Earners Commitee – publicava um jornal National Wage Earner que todos os meses denunciava novos subversivos e limpava a folha aos antigos que entrassem com dinheiro.
              E havia mais…
            A Declaração do Waldorf, enfim, tomava sentido nos perigos, nos riscos e nos medos. Palavra de ordem: eliminar os subversivos e proteger os inocentes.
          Porque sabiam haver inocentes na lista negra, gente que nunca na vida pensara ser comunista e que tinha o nome marcado. E os inocentes podiam dividir-se em dois tipos: pessoas que eram confundidas com outras; ou pessoas que pertencendo embora a alguma das chamadas associações para-comunistas não estavam inscritas no Partido Comunista. Inocentes havia que não encontravam trabalho, como inocentes havia (os das listas cinzentas) a quem muitos dos estúdios não davam trabalho só por prudência. E acabava tudo por desaguar na mesma dúvida essencial, e existencial: que entidade se poderia arrogar o direito de estabelecer quem era comunista e quem não era?
            Pretendia-se criar um sistema preciso, ou uma fórmula, por onde fosse possível detectar quem era e quem não era comunista. Difícil. Impossível. Que funcionassem então os boatos, os mexericos, as invejas caluniosas. Se muita gente tinha famas, ou de alcoólico, ou de pederasta, ou de ninfomaníaca, ou de cocainómano, também podiam correr as famas de comunista. Procurava-se era não despedir ninguém na base de um mexerico.
             O mercado negro.
        É bem que se diga que foi calculado em 15% o total dos guiões que em Hollywood foram escritos por gente da lista negra e chegados às produtoras sob o nome de testas de ferro não integrantes da lista negra. Mas não há a certeza desta percentagem. O segredo era  muito espesso e guardado sob juramento solene. Já Dalton Trumbo escrevia um artigo em 1957, revelando que os produtores, respeitando embora a lista negra, não deixavam de comprar histórias e guiões da autoria dos listados de negro. A reserva consistia em ocultar os nomes dos verdadeiros autores.


            Correu mesmo o boato de ter sido Dalton Trumbo a escrever grande parte das melhores produções de Hollywood desse período – e admitindo o próprio ter escrito uns trinta e cinco argumentos durante a fase negra.
            Trumbo veio-se embora do México em 1954. Fez uma sociedade com outro da lista negra, Michael Wilson. Um inventava a história e delineava o enredo e o outro encarregava-se dos diálogos. Conseguiam fornecer a um produtor um guião completo em cinco semanas. E por isso os investigadores de cinema teimaram em atribuír a Dalton Trumbo ( a coberto de outros nomes) filmes, por exemplo, de Howard Hawks (Air Force), de Irving Rapper (The Brave One – com Óscar incluido), de Robert Aldrich (The Last Sunset), e de muitos outros de menor importância, e sendo o título mais famoso de todos o do filme de  William Wyler Roman Hollyday (Férias em Roma), com direito a Óscar a entregar a Ian McLellan Hunter, o testa de ferro de serviço àquele trabalho.


A questão dos testas de ferro tinha que se lhe dissesse. Era difícil para um homem da lista negra encontrar quem lhe assinasse os trabalhos. Os produtores recebiam o texto original escrito, e depois seguiam-se infindáveis reuniões com distribuidor, produtor, realizador, director de fotografia, ou até com actores, e onde era naturalmente forçoso aparecer também o autor do argumento. Alguém teria então de aparecer a essas reuniões fazendo as vezes do guionista e já se vê que era um problema levado de seiscentos diabos achar alguém que se prestasse a arriscar tanto. O escritor de ficção científica Ray Bradbury foi, dos conhecidos, um dos que quis ajudar alguns amigos da lista negra, assumindo-se como autor -  o que não deu resultado não sei porquê, talvez tenha sido desmascarado. E houve Leo Townsend, testemunha amigável da Comissão e delator, que como favor pessoal assinou argumentos escritos por outros, Lester Cole, ou mesmo Dalton Trumbo.
É no tocante filme The Front (na versão portuguesa O Testa de Ferro),  de 1976, que Hollywood toca na questão da lista negra. É um filme magnífico, protagonizado por Woody Allen e Zero Mostel, e realizado por Martin Ritt, e nele intervieram muitos dos homens em tempos listados de negro pela indústria, incluindo Zero Mostel, que faz o seu próprio papel, e o realizador Martin Ritt.
Outro item difícil de ultrapassar nesta coisa do mercado negro dos argumentistas era a parte financeira. O negro, ou testa de ferro, ficava de costume com 10% do cachet. Mas houve casos em que o testa de ferro mais ganancioso exigiu 50%. Para piorar as coisas, diga-se que os argumentos em circulação no mercado negro eram pagos muito abaixo do preço do argumento normalmente apresentado pelo seu verdadeiro autor. E quando digo abaixo do preço digo menos de metade. O caso do mais famoso argumentista, Dalton Trumbo (sempre ele) é bem ilustrativo, pois vendeu o seu primeiro argumento “em negro” por 3.750 dólares, enquanto o preço dele antes de ir parar à lista negra era de 75.000 dólares por cada guião. É obra! E ainda quando ele, digamos, começou a emergir do seu sono negro, em 1960, sob o seu verdadeiro nome, e escreveu para Otto Preminger o filme Exodus, só recebeu 50.000 dólares, dois terços, portanto, da tarifa habitual. Não era muito em comparação com os mais altos estipêndios hollywoodeanos, era fabuloso relativamente ao que ele poderia ganhar através da intermediação de um testa de ferro.


John Howard Lawson, o recordista dos denunciados, ganhava 2.500 dólares à semana quando trabalhava às claras. Depois de metido na lista negra, a trabalhar em negro, o rendimento dele não passou dos 50 dólares por semana.
Os produtores independentes, os que poderiam pretender trabalhar fora do anel de fogo das majors, eram poucos e dificilmente arriscavam desafiar o estatuto dos grandalhões, por exemplo, utilizando os serviços de um dos inscritos na lista negra. Se tal viesse a lume era certo e sabido que a carreira desse produtor poderia passar a não valer um tostão furado e ninguém lhe financiaria a produção do próximo filme que produzisse, e esse filme só apanharia com críticas desfavoráveis. Mas se por acaso esse produtor tivesse artes de ultrapassar todos os ditos inconvenientes, ah, sim, seria certamente boicotado nos cinemas pelo pessoal da Legião Americana. Foi esta a essencial razão pela qual nenhum famoso produtor se arriscou a contratar alguém posto na lista negra.

                                                          

            O entrar do ano de 1960 abre boas perspectivas para o fim da instituição da lista negra. Alguns dos intransigentes que se tinham mostrado hostis ao trabalho da Comissão reapareceram de repente à luz do dia. Michael Wilson, Dalton Trumbo e Albert Maltz são reabilitados em Hollywood. Publicamente reabilitados. Um Óscar é entregue a um nome da lista negra e o público começa a perceber que a lista negra e o mercado negro eram pesadelos de noites já passadas.
            Facto interessante que alguns comentadores assinalaram: os artistas que figuravam na lista negra acusados de comunismo eram os que até então tinham conseguido os maiores êxitos em Hollywood. Bastava comparar a quantidade de óscars e nomeações para óscars que lhes foram atribuídos entre 1940 e 1959. Trumbo, Butler, Bessie, Endore, Lillian Hellman, Ring Lardner Jr., Maltz, Abraham Polonsky, Foreman, Michael Wilson… entre muitos outros.

                                          

            A Academia dos óscares andou por algum tempo de calças na mão sem saber o que decidir. Levou críticas ferozes quando Michael Wilson (lista negra por apelo à Quinta Emenda) ganhou um Óscar pelo guião de A Place in the Sun. E calha que em 1957 o mesmo Michael Wilson é nomeado para outro Óscar por Friendly Persuasion, de William Wyler. E se em 52 a Academia não podia fazer nada, a partir de 54 já havia um acordo firmado para a possibilidade de se omitir o nome do argumentista do genérico do filme. Em 57 não era permitido premiar com um Óscar alguém que estivesse na lista negra. Pois não. Quer dizer, o Óscar de Michael Wilson em 57 não lhe poderia ser entregue. E não foi. Quem o ganhou foi um certo senhor Robert Rich, que, não se soube porquê, nem se apresentou para receber a estatueta.
            Depois correram insistentes boatos de que os verdadeiros autores do filme A Ponte do Rio Kwai, de David Lean (Óscar para o melhor argumento), eram os “listas negras” Carl Foreman e Michael Wilson.


            Enfim, uma longa série de episódios do género marcaram o ano de 1959. Até um radialista de Los Angeles vai ao ponto de comentar que a lista negra tinha acabado, não porque os sentimentos anti-comunistas da indústria tivessem mudado ou as acusações de anti-americanismo fossem infundadas, mas simplesmente porque Hollywood precisava como pão para a boca de bons argumentos para serem filmados.
            A Legião Americana é que ainda intensificava a luta contra os subversivos de Hollywood. E atirava-se à Academia por ter ignorado a proibição de dar óscares a gente indesejável e inscrita na lista negra.
            Tocava à Academia e à associação dos produtores aplacar as iras da Legião, tal como os senhores, continuamos a querer os subversivos fora de Hollywood  - dizem os produtores à Legião -, mas a maior parte deles trabalha para pequenas companhias produtoras independentes…sim, portanto façam o favor de não nos maçar e irem disparar as vossas balas contra os produtores independentes e não contra a indústria de cinema no seu todo. E assim foi. A Legião Americana  passou a elogiar as grandes companhias e a condenar os pequenos produtores independentes que empregavam comunistas.


            Mas… quem é que chega a Hollywood em 1959 como convidado de grande honra? O maior comunista do mundo de então: Nikita Krutchev, premier soviético. Um grande jantar de gala a homenagear  Krutchev com a presença de 400 das mais importantes personalidades do espectáculo.
            Então como era?
          Os grandes magnates da indústria queriam expulsar os comunistazinhos que ganhavam o seu pãozinho em Hollywood e recebiam de braços escancarados o maior chefe comunista do mundo numa cerimónia de boas-vindas como há muitos anos não se via por ali? Como era?
            Sim, como era quando o governo dos EUA assinava um acordo de intercâmbio cultural com o governo da URSS com particular incidência na produção cinematográfica?
            Como era quando o público americano estava a acolher tão bem os filmes produzidos na Rússia comunista?
            Como era e que moral era quando na América se criticava duramente o ostracismo a que o escritor Boris Pasternak fora votado na URSS por culpas de anti-sovietismo e em Hollywood se perseguiam e ostracisavam os escritores americanos culpados de anti-americanismo, como era?
            Paradoxos e contradições a raiar o ridículo que apareciam claramente aos olhos de todos.
            Otto Preminger será o primeiro dos realizadores de alta nomeada a provocar frontalmente a Comissão e a instituição da lista negra quando anuncia no Variety que Dalton Trumbo será o argumentista do seu próximo filme, Exodus. Não quero andar a mentir ao público. Esconder o nome de um autor é uma maneira de enganar o público. A única maneira honesta de trabalhar nestes tempos é dizer a verdade. O New York Times aplaude. E acrescenta: toda a gente já sabia que tinha sido Trumbo a escrever o argumento de Spartacus (de Stanley Kubrick)  e de Férias em Roma.
Mas mesmo assim as majors fizeram finca-pé nas suas disposições de discriminar os suspeitos de comunismo. E a inevitável Legião Americana deu por paus e por pedras com a decisão de Preminger e declarou guerra de informação contra a imposição disfarçada dos filmes feitos por homens doutrinados pelos soviéticos.
No dia 21 de Março de 1960, um dos maiores ídolos da América identifica-se como produtor cinematográfico independente e desafia a lista negra: Frank Sinatra. Quer produzir um filme sobre o único soldado fuzilado por deserção durante a II Guerra e chama Albert Maltz para lhe escrever o guião. O New York Times torna a aplaudir: a contratação de Albert Maltz por Sinatra minava os fundamentos lógicos da lista negra.
Mas Sinatra já está metido na política. Em 1960 manifesta publicamente o seu apoio à candidatura à presidência de John Kennedy.
A Catholic War Veterans anuncia o boicote que fará ao filme de Sinatra, ter contratado Maltz é uma afronta a todos os americanos. Não queremos que americano algum vá ver o filme e pedimos ao senhor Sinatra para repensar a sua atitude como verdadeiro americano.
E naquele tempo (não sei se ainda hoje) se uma liga americana dizia “mata” outra liga americana dizia logo “esfola”, e a secção da Califórnia de outra liga de veteranos de guerra os AmVets apoiou o boicote ao filme, sim senhor, mas ainda foi mais longe, propôs um boicote a todas as actividades de Frank Sinatra.


E Sinatra devolve os golpes: compra espaço nos jornais, páginas inteiras, e assume as suas responsabilidades declarando que o filme que pretende produzir está perfeitamente em linha com os valores americanos, e até os exalta; dizendo ainda que o melhor seria que não se fizessem juízos precipitados antes de se poder ver o filme. E diz mais, ou insinua mais: talvez o estivessem a atacar a ele quando o verdadeiro alvo dos ataques devia ser o senador e candidato John Fitzgerald Kennedy que ele publicamente apoiava. Mas a verdade era que nem ele ensinava a Kennedy como votar no Senado, nem Kennedy lhe recomendava quem devia ou não devia contratar para lhe escrever o filme. Estou pronto a defender os meus princípios e a esperar o veridicto do público americano depois de ter visto The Execution of Private Slovik.
Foi uma batalha de duas semanas. Sinatra acaba por ceder e despedir Albert Maltz. Por respeito ao povo americano, argumenta. Defendi o trabalho de Maltz porque o entendi consoante com os valores americanos. Mas uma vez que o público americano pensa que o despedimento de Maltz é uma crucial questão de moral, aceito a opinião da maioria.
E Maltz sai-se a público a declarar: para fazer mudar de ideias um homem tão teimoso como Sinatra as pressões sobre ele devem ter sido realmente muito fortes.


Pois parece evidente que valores mais altos se levantaram e que Kennedy, por mais que estimasse o apoio de Sinatra, não ia na conversa de poder perder votos por uma questão de moral americana.
Hedda Hopper vem a dizer que o exército e o Departamento de Defesa se tinham recusado à colaboração que lhes tinha sido solicitada para fazer o filme. E a jornalista Dorothy Kilgallen adiantava, confirmando as mais óbvias suposições, que o próprio Kennedy acabara por convencer Sinatra a desistir da ideia, pensando que aquela dura campanha contra o cantor comprometeria as suas aspirações na corrida à Casa Branca.


O grande sucesso da estreia em Nova York de Exodus (escrito, como disse, por Dalton Trumbo) interpelou fortemente o público americano quanto à questão da lista negra. Pelos vistos, resultava a bem da arte cinematográfica americana pôr a trabalhar gente que apelara à Quinta Emenda, mesmo que fosse, ou só tivesse sido, comunista, e até porque essa condição já nem tinha reflexos no box office.
Mas atenção que mesmo nos dias seguintes à estreia de Exodus houve piquetes à porta dos cinemas a protestar contra o nome de Dalton Trumbo no cartaz; ao mesmo tempo que no interior dos cinemas quando o nome de Trumbo aparecia no genérico rebentavam os aplausos. E na recepção que se seguiu à primeira exibição do filme, no luxuoso restaurante Romanoff, Otto Preminger aparece de braço dado com Trumbo e é ovacionado pelos presentes, Frank Sinatra e Peter Lawford (cunhado de Kennedy) entre eles. E além deles, também, a aplaudir calorosamente, um fervoroso anti-comunista,  uma das primeiras testemunhas amigáveis e favoráveis à expulsão dos comunistas de Hollywood e à ilegalização do Partido Comunista Americano – Gary Cooper.
Em 1961 principiava o regresso à ribalta do espectáculo dos marcados pela lista negra. Lillian Hellman e Guy Endore vêem os seus nomes nos genéricos. Em 62 é Morris Carnovsky, é Howard da Silva, é Howard Koch. Hugo Butler em 63. Ring Lardner Jr. e Lionel Stander em 65. Abraham Polonsky em 67.

A lista negra estava definitivamente rasgada - a chegada de Kennedy à presidência começara a mudar mentalidades e com essa mudança mudariam os pressupostos que a tinham feito aparecer. 

                                                  THE END

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