segunda-feira, 22 de julho de 2013

                      A MÚSICA DE BERLIM

        (Não, não, está enganado, não tem nada a ver com Frau Merkel.)
Em Berlim foi a devastação da II Guerra.
Em Berlim foi o abalo provocado pela queda do muro.
Em Berlim foi o desassossego da reunificação alemã.
E Berlim, após a queda do muro tornada capital da nova Alemanha reunificada, começou a colocar espinhosas questões de moral em matéria de música e de cultura
(É mesmo disto que quero falar.)



                                                                         

Pois, quem havia de dizer… e falo de Berlim, evidentemente, de Berlim e da sua vida musical, porque se falasse de Lisboa e da sua vida musical só se fosse como anedota.
Berlim. Caiu o muro e não houve dinheiro que chegasse para sustentar oito orquestras e três teatros de ópera - é isso mesmo: uns com tanto e outros sem nada; os problemas da fome e da fartura.
Cinco orquestras… se bem as conto: a mítica Filarmónica, antes de todas, claro; e depois a Sinfónica, a da rádio (a RIAS), a Deutsches Symphonie Orchester, a Staatskapelle - de Berlim - não vá confundida com a de Dresden: o que perfaz cinco; e mais as três orquestras privativas dos respectivos teatros de ópera, a saber, a Deutsche Oper, a Unter den Linden e a Kömische Oper. Dá oito. Exactamente. É muito. Mesmo para Berlim. E financiamento para isto tudo?


(E sem falar do teatro declamado, do bailado e das três universidades que fornecem formação musical a altíssimo nível profissional.)


Da Filarmónica de Berlim, o maestro Bernard Haitink disse um dia a um colega: se não a conseguires dominar ela esmaga-te como um camião.
Na Filarmónica de Berlim, depois de caído o muro, restavam da era Karajan cerca de um quarto do total de 128 instrumentistas (incluindo 16 mulheres).
E em 1999 a Filarmónica de Berlim foi uma vez mais na sua História chamada a depor sobre o seu futuro chefe, o que iria suceder ao cansado e doente Claudio Abbado. E pronunciou-se por Simon Rattle, o que deu uma triste consequência no tempo que decorreu até à tomada de posse de Rattle, na primavera de 2002, e consequência que foi Abbado ficar traumatizado e ter passado um annus horribilis à medida que ia sabendo dos triunfos averbados pelo seu sucessor à frente da Filarmónica enquanto maestro convidado - nada que não se tivesse passado já entre velho Furtwängler e o emergente Karajan, nos anos 50.

Mas na Filarmónica de Berlim, nos inícios do ano 2000, resignou não só o maestro titular, Abbado, como o intendente geral da orquestra, Elmar Weingarten. Abbado dirigira 618 concertos com a Filarmónica, e desses actuara em 286 como maestro titular do agrupamento.
Franz Xaver Ohnesorg é o novo intendente da orquestra, quer dizer, o gestor, o homem que vai buscar o dinheiro onde o haja, o homem que faz política. Nos tempos que correm (já lá vai a era do maestro genial e indiscutível que fazia exigências e era impreterivelmente atendido) o verdadeiro homem forte de qualquer orquestra é o gestor – o intendente como se diz na Alemanha. Mas mesmo o maestro também tem agora que fazer das tripas coração e tratar da vidinha, e meter as mãos na discussão contabilística, e cada vez, naturalmente, lhe irá sobrando menos tempo e disponibilidade mental para se concentrar na música.

     

O novo intendente Ohnesorg teve azar e apanhou uma era de deterioração da vida financeira da orquestra, da música em geral e das instituições culturais da cidade.
       A crise da reunificação estalou (e entalou) a vida cultural na capital da Prússia. Oito orquestras e três teatros de ópera – só para nos mantermos no mundo da música. Não será fartura a mais? É o que eu digo: uns com tanto e outros sem nada.
O, chamemos-lhe município, de Berlim estava de tanga e não tinha para mandar cantar um cego, quanto mais para amamentar oito orquestras e três teatros de ópera. A cultura, em Berlim, deixava de ser prioridade das prioridades, como sempre fora desde Frederico, o Grande; como sempre foi mesmo nos modernos tempos, até à reunificação. É verdade. O mundo começa a estar mais feio.
Antes da reunificação, com a Alemanha dividida, uma das razões da prioridade máxima aos assuntos culturais na metade da cidade que pertencia ao mundo capitalista, era a necessidade política de ser uma espécie de montra para o Leste de tudo o que de melhor acontecia no Ocidente, desde a arquitectura à música. O que implicava impressionantes injecções de fundos da municipalidade como do próprio governo federal.
É isso mesmo: a cultura no mundo tem importância ou não consoante a política queira mais ou menos que ela tenha, conforme ela, cultura, seja mais ou menos útil a ela, política. Não é de agora. Sempre assim foi.
A política é que tem feito de maneira a que cada vez menos a cultura de tipo clássico, caríssima, lhe faça falta. Nos mais antigos tempos a política era menos impiedosa, ainda assim, e mais tolerante para com a sua eterna inimiga… a cultura, justamente.
Foi num contexto político investidor e expansionista de Berlim que Karajan fez pela vidinha, fez aquilo que fez, e até mandou construir um novo auditório de cair para o lado, uma nova sede da Filarmónica, fronteira à Biblioteca Estadual, obra revolucionária do arquitecto Hans Scharoun, inaugurada em 1963 e ampliada em 1987 com um auditório só para música de câmara.
                                 
                    

Que tempos!
           


Mas a tradição e a História dizem qualquer coisa aos alemães e ainda marcam pontos, marcavam, então, e hoje ainda, também, vamos lá… ainda requerem o máximo esforço das autoridades berlinenses.
A Filarmónica marcou sempre a vida musical de Berlim pelo mais alto nível de execução que se pudesse imaginar, tendo encontrado sempre para a dirigir os maestros mais indicados, Nikisch, Furtwängler, Celibidache, Karajan.


                                                                            
                   


Bom, mas… à uma, o Estado de Berlim tem que sustentar o Konzerthaus. O edifício foi construído pelo célebre arquitecto Karl Friedrich Schinkel. Foi lá que se estreou o Navio Fantasma. Foi lá, enquanto teatro, que se estreou nem mais nem menos  que o Fausto, de Goethe. Não se fecham as portas a uma casa destas. Não se fecham as portas por mera falta de dinheiro ou por imperativo político correlativo a essa falta de dinheiro, a uma casa com passado tão ilustre. Não é fácil apagar a História de uma cidade. Se se for civilizado.
O Konzerthaus foi evidentemente destruído pelos bombardeamentos que arrasaram Berlim. Depois, nas partilhas, ficou do lado oriental e foi sendo lentamente reconstruido, até ser reinaugurado em 1984, só, e para ser chamado pelas autoridades comunistas de Centro Socialista da Música. Esteve em sérios riscos na precisa época da reunificação, 1989/91. É presentemente residência da orquestra sinfónica da cidade.


A Deutsche Oper. Inaugurada em 1912, porque era absolutamente necessário mais um teatro lírico. Foi o centro berlinense da modernização dos repertórios e das montagens.
Logo a seguir à guerra, e vendo que a velha Ópera Estadual ficara do lado comunista, as autoridades ocidentais reconstruíram-na, reinauguraram-na em 1961, no lugar da velha ópera de Charlottenburg, arrasada pelas bombas aliadas. Ganhou prestígio e modernidade nas décadas de 70 e 80, com Götz Friedrich à testa, com espectáculos muito modernos mas de enorme qualidade também. Estreou compositores da importância de Henze e Reimann. No momento da reunificação, lutava desesperadamente por conquistar um novo público e atenuar o brutal défice de exploração das últimas décadas.
     A Staatsoper Unter den Linden é dirigida musicalmente por Daniel Baremboim. Reconstruida em 1955, tinha sido a grande casa de ópera do Estado, a ópera da corte da Prússia, construída no centro histórico de Berlim quando, há 260 anos, Frederico da Prússia ordenou que se construísse para ele e para a corte “um grande palácio mágico”.
Entre 1742 e 1811 a sala não foi lugar para o povo nem para mal vestidos. Era espaço de representação do poder imperial e acabou-se a conversa. Só em 1811 é dada de usufruto ao governo da cidade e aberta ao cidadão comum. É destruída pelos bombardeamentos de 1941, imediatamente reconstruída pelos nazis e de novo destruída quando do ataque final dos aliados a Berlim. Estreou Weber, Nicolai, Mendelssohn, Alban Berg, Hindemith, Stravinski. Vai-se deitar abaixo ou transformar em edifício de escritórios uma casa destas?  

                      

A Kömische Oper (também dita Volksoper – ópera do povo), é, por assim dizer, uma ópera de segunda no quadro das outras sublimidades berlinenses. Ficou do lado de lá do muro, coitadinha, mas mesmo assim foi dirigida pelo famoso Walter Felsenstein, encenador, e mais recentemente pelo não menos contemporaneamente famoso Harry Kupfer. Leva 1270 espectadores e entre os directores musicais de antes da guerra teve Otto Klemperer. 
Foram as próprias forças armadas da Alemanha de Leste que, depois de reconstruída, em 1947, entregaram a Kömische Oper ao encenador Walter Felsenstein e o obrigaram a um caderno de encargos com características de ensemble inter disciplinar, teatro de prosa e ópera populares, sem estrelas internacionais e d espectáculos protagonizados por cantores actores em realizações actualizadas – ainda que ideologicamente muito marcadas – e tudo dito e feito e cantado exclusivamente em alemão.
A vida musical de Berlim no século XIX, pelo século XX fora, antes da guerra, e mesmo nos anos 60, após as devidas reconstruções e restaurações, na esteira do chamado milagre económico… não se pode conceber em cidade alguma outra mais dinâmica, variada e ao nível mais alto, protagonizada pelos Mendelssohn, pelos Weber, pelos Brahms, pelos Wagner, pelos Meyerbeer, pelos Nicolai, pelos Nikisch, pelos Furtwängler, pelos Karajan… nunca mais acabaria a lista… mais a tradição do cabaret, do dodecafonismo, do Brecht e de todo o resto da modernidade, em convivência com o conservadorismo estético e político mais arreigado. É mesmo assim. É assim que vive uma metrópole civilizada. E nem guerra nem comunismo nem socialismo nem nazismo alguma vez puseram em causa as instituições e casas de cultura berlinenses.
Mas nos nossos dias…


Bem, por aqui se pode fazer uma ideia dos perigos civilizacionais inscritos no sentido dos nossos dias…


Perigos civilizacionais? Mas, minhas senhoras e meus senhores, a civilização dessa gentalha dos Mendelssohn, Wagner, Brahms, Furtwängler, Karajan, acabou. Acabou. Não vale a pena estarmos com choraminguices. Mas lá que custa, custa…
A fulminante reconstrução de Berlim e das suas casas de cultura logo a seguir à guerra constituíu-se como uma questão crucial de Estado. Quer dizer, uma aguda questão de moral. Era do interesse da cidade, era do interesse dos cidadãos, a continuidade de uma vida cultural onde a música era parte capital e sem a qual não de poderia, digna e esteticamente, viver.
E tudo isto é muito bonito, é, mas o que se passou com a queda do muro e a reunificação, na sua perturbante complexidade, em termos musicais e financeiros, foi de uma simplicidade tão grande tão grande que chega a ser atroz.
Reunificada Berlim, tão simples como isso, a cidade que eram duas voltou a ser uma e as instituições dimensionadas para duas têm que funcionar apenas numa. As instituições culturais e musicais, por conseguinte, duplicaram, a oferta, fatalmente, mesmo numa dimensão destas, ultrapassou a procura. Uma cidade única não precisava de tantos teatros de ópera nem de tantas orquestras. E tudo pago pela municipalidade, eventualmente com alguma comparticipação do Estado federal.

 

Mas, do outro lado da questão, fechar instituições de cultura e de música não vai muito com o feitio dos alemães. Todavia, também, os ires e vires da economia impõem as suas duríssimas leis. Que fazer?
Excesso de cultura. Escassez (relativa, mas crescente) de público para ela. E tudo aconteceu de um dia para o outro, pela comezinha razão de terem deitado abaixo um muro.
Era preciso mudar. De preferência sem perder a identidade, sem prejuízo de postos de trabalho e de direitos adquiridos, não é? E sem hipotecar a secular tradição. Mas como?
A mudança! Pois, mudar para as regras do mercado, uma profunda e enjoativa realidade que fora eternamente escamoteada pela responsabilidade financeira assumida pelo Senado e pelo Estado federal numa cidade e numa actividade secularmente viciadas no princípio da subvenção.


E fecharam e acabaram, de facto, salas, coros, pequenas orquestras, bibliotecas. Universidades.


Em 1996, o secretário estadual da cultura de Berlim propõe fusões, porque não, entre as duas orquestras sinfónicas de Berlim, ou das duas berlins, com a orquestra de Kömische Oper. Para evitar isso, os músicos prescindiram de parte do seu salário e de outras regalias e passaram a trabalhar mais horas por menos dinheiro.
Os responsáveis, gestores e maestros, passaram a correr os escritórios das grandes empresas privadas e multinacionais e a oferecer os serviços as suas orquestras. Já não será tão necessário produzir música do melhor nível. Será mais urgente, agora, sobreviver, e fazer a música necessária para ganhar algum dinheiro.
(Pois não, não se iludam, amigos de uma certa idade ou de alguma memória, a cultura tal como a conheceram ou ouviram falar dela, acabou…)


A oferta de concertos em Berlim era muita. Mesmo em Berlim, não havia público para tanto. A luta por uma pequena faixa de público (outros diriam que por um nicho de mercado) era titânica entre orquestras e respectivos intendentes e maestros. E depois vieram os músicos de Leste. Eram bons e ofereciam trabalho e qualidade por muito menos dinheiro. E a Polónia ficava só a 80 km, de Berlim…
As orquestras berlinenses não viviam já tanto do génio musical dos seus maestros e da perícia dos seus instrumentistas. Os homens mais importantes das orquestras de Berlim passariam a ser os técnicos de marketing e publicidade. E os maiores e mais geniais maestros passaram a ser os que tinham da música uma visão actualizada, isto é, empresarial.
De todo o modo, que não se faça confusão, a vida musical de Berlim é incomparável com a de qualquer outra cidade do mundo. A oferta. Porque a procura relacionada com a dimensão da oferta, pelo que leio, vou ali e já venho…
Dizem que há salas vazias. Sim, também em Berlim. E apesar do enorme afluxo de funcionários do Estado federal, deslocados de Bonn com a mudança da capital.
   Barenboim, era um dos que então mais barafustava publicamente. Contra a alegada paralisia política das entidades oficiais, contra a falta de ambição que tomara os responsáveis políticos, e contra toda a consequente mediocridade e crescente falta de meios.
(Fazia bem a este Barenboim uma estadia de um mês, não era preciso mais, em Portugal, com tudo pago, para ver se aprendia alguma coisa acerca de paralisia cultural, falta de ambição e mediocridade, e para ver se dobrava a língua ao falar dos politicos berlinenses.)
Do outro lado da questão, teriamos Simon Rattle, o então novo titular da Filarmónica de Berlim, que antes de aceitar o lugar fizera exigências: aumento de dotação orçamental da orquestra, já!; aumento salarial dos músicos – 1,65 milhões de euros/ano afectos a salários na Filarmónica de Berlim, significando um aumento de 1000 euros/mês para cada músico. Foi. Rattle entrou à campeão e fez as vezes de delegado sindical e de manager, ou de intendente, levando a imprensa de Berlim – que como qualquer imprensa do mundo dito livre não as poupa – a publicar acerca do maestro Simon Rattle: “Intendente já a Filarmónica de Berlim tem. Agora só lhe falta um maestro”.
Estou a ver a imprensa portuguesa a ser tão desassombrada e a escrever destas a respeito de algum titular de coro ou orquestra portuguesa, ou de algum dos grotescos bonzos da nossa vida musical. Mas, está claro, cá pela terra tudo é genial, nada é passível de critica – depois os promotores dos espectáculos vingam-se e não dão bons bilhetes ao critico e é uma chatice, o crítico desanca nos espectáculos – grande parte das vezes com razão. Mas nós somos os melhores. Tão bons que nem entramos em competição com ninguém. Além de que tenho dúvidas sobre se alguns dos nossos actuais redactores de jornal (e salvas as excepções, claro) saibam ao certo o que é uma orquestra sinfónica, para que serve e como funciona.
Barenboim barafusta, pressiona o Senado para largar mais algum para a sua Staatskapelle. Kent Nagano, entretanto posto à cabeça da Deutsches Symphonie Orchester também estava em campo a fazer pressão ao Senado. Harry Kupfer, o famoso encenador, puxava por mais uns tostões para a sua Kömische Oper…
Em suma, a competição em Berlim ficou ao rubro – competição pelo dinheiro, entenda-se, porque o resto logo se veria….
O maestro Kent Nagano até disse: a minha ocupação favorita não é fazer intermináveis negociações com políticos; e se o faço, o meu objectivo é só um: a música.; a música e a sua qualidade é a causa mais importante que eu posso abraçar; e se em Berlim, devido à reunificação, a música foi afectada, é preciso ver a questão pelo lado da energia redobrada da sua vida musical, o que é um ganho de qualidade. A Filarmónica é sem dúvida um agrupamento excepcional e cheio de tradição, mas cuidado, não são só eles que asseguram a qualidade da vida musical de Berlim.
Marek Janowski, maestro titular da orquestra da rádio (a RIAS), diz que Berlim se tornou uma das regiões mais pobres de toda a Alemanha, mas que, mesmo assim, continua a ter a obrigação de dar uma visão única de qualidade aos seus visitantes.
É sabido que o sistema alemão nada tem que ver com as práticas americanas. A vida musical alemã fundou-se no princípio do subsídio estatal. Há séculos. Ninguém pode prever o que será o sistema de sponsoring privado neste imenso território da cultura da subvenção.
Janowski diz aquilo com que concordo em toda a linha. Oito orquestras em Berlim? Talvez até nem seja uma enormidade por aí além, porque dinheiro é coisa que não falta, há sempre dinheiro. A questão é política. A questão é  das prioridades de aplicação desse dinheiro. Uma questão de política, que é sempre uma questão de prioridades, e que é sempre, também, uma questão de moral.
Sabe-se o que aconteceu, o que foi a cultura da Europa com séculos de preteccionismo fosse ele da igreja, fosse ele da corte, do príncipe, do bispo, do conde, do marquês ou do Estado moderno. É demasiado cedo para se saber o que acontecerá a essa cultura quando apoiada por empresas privadas de estilo americano.
Política. Sim. E depois há as manobras políticas. Cada partido com preponderância no Senado de Berlim tem os seus heróis preferidos nas orquestras, sejam eles maestros, sejam intendentes. Ohnesorg, o novo manager da Filarmónica, é visto pelos políticos da democracia cristã como o salvador, o homem providencial que para mais chegou a trabalhar no Carnegie Hall de Nova York (tem a escola toda) o que dá um alinhamento óptimo, uma afinação perfeita com a tonalidade económico-cultural dos tempos, está bem de ver. E a ideia dele, não podia deixar de ser, é transformar o estatuto público de um ou dois séculos da Filarmónica de Berlim numa empresa de prestação de serviços. À americana.
E a Filarmónica, outra coisa também não seria de esperar, passou a ser uma fundação de direito público.
No Senado, quem protestou contra esse estatuto da Filarmónica foram os Verdes, dado que assim os assuntos da orquestra escapavam ao controlo parlamentar do Senado da cidade.
Palavras deste Ohnesorg, novo intendente da Filarmónica de Berlim: eu já não vou ao concerto com um espectador normal de música: eu vou ao concerto como um prospector de mercados, um conselheiro comercial. E quero saber quem é o meu público e como reage. Podem crer que é um outro tipo de descoberta.


É capaz de ser.
O edifício da Filarmónica deixou de ser aquele lugar meio encantado onde regia Karajan e agora é um espaço de intercâmbios (de quê e para quê?) aberto a todo o bicho-careta. Há concertos de estudantes – olha que grande coisa. Consulta-se a Internet – banalidade maior, hoje em dia não há. Ah, e pode-se beber um café…


Das oito grandes orquestras berlinenses,  três delas corriam seriíssimos riscos de desaparecer. E a mais moribunda delas era-o, em boa parte, por causa dos imensos e luxuosos caprichos de outrora, dos faraónicos projectos, das magnificentes mordomias, dos excepcionais gastos, dos vícios caros que foi adquirindo, e por isso, pela má fama que arranjou entre as entidades pagadoras dessa grande vida, podia ser mesmo a sagrada Filarmónica de Berlim a tornar-se pesada em face da concorrência e da dinâmica, por exemplo. da Deutsches Symphonie Orchester, ou mesmo da orquestra da rádio.


Mas isto é mesmo assim: pelo menos em Berlim, e noutros lados onde há música, claro, há quem perceba mesmo dela, e os problemas são postos sem hipocrisias, são considerados pelos responsáveis políticos, são encarados de frente, são, melhor ou pior, mais definitiva ou mais provisoriamente, resolvidos, e a música não pára, a música não pode parar, a música continua sempre e as coisas acontecem.


A minha ideia era falar de música, mas acabo por não saber se cheguei a falar de música se não
       


       



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