sexta-feira, 5 de abril de 2013


             

                            A DEMOCRACIA QUANTITATIVA

       Segundo relatórios de organizações internacionais (li isto já não sei onde e não me recordo quais), a Líbia foi o país que mais progressos democráticos registou em 2012.
         Não custa a acreditar, tendo em conta os níveis de democracia existentes em 2011.
E é claro, deve ter havido eleições. Não sei para quê, para que instâncias, mas deve ter havido. E dessas eleições deve ter saído um resultado expresso em números, em quantidades. E assim, salvaguardadas as quantidades, está garantida a democracia.
         A maravilhosa flor da democracia ocidental pode, como se vê, desabrochar com toda a legitimidade nem que seja no meio da  carnificina e do horror. A única formalidade a cumprir para que tal aconteça é atender não só aos números como, neste caso exemplar da Líbia, e principalmente, às legítimas aspirações e conveniências dos negócios do petróleo.
  


Ao que a idade (a duração) me constrange neste lance da História é a admirar a inimaginável capacidade da democracia, e dos respectivos agentes democraticamente eleitos, em actuar caprichosa, teimosa e ironicamente contra a vontade e o espírito de quem os elegeu. O que dá mais uma prova das incomensuráveis vantagens e virtudes do sistema parlamentar – representativo!
A máquina da democracia trabalha sobre a quantidade, quer dizer, anda ao gasóleo dos votos expressos a cada quatro anos, e segundo uma vontade nacional que está obrigada a durar quatro anos.
A máquina da democracia quantitativa, da qual divisamos dia a dia na televisão os rostos-símbolos, tem em consideração (a mais alta) somente o que se passa nas urnas eleitorais de quatro em quatro anos. E por isso me deu para “teorizar” e classificar as democracias ocidentais  como democracias quantitativas. Porque são máquinas vigilantes quanto ao perigo do populismo, quando ele se passeia irado pelas ruas da polis, e que é quando o quantitativo dos resultados expressos nas urnas começa a descambar para o qualitativo, quando o parecer maioritário dois ou três anos antes expresso nas urnas por uma grande quantidade de eleitores começa a mudar, qualitativamente a mudar.
Posso admirar a calma apostólica de uma democracia quantitativa, fruto de números, percentagens, maiorias, minorias, ao não tomar conhecimento operacional do que de qualitativo se passa nas ruas da polis. A democracia quantitativa ri-se dos espontâneos que saem à rua em desagrados, como os espontâneos que nas praças de touros saltam à arena a querer lidar o animal e inevitavelmente são expulsos sob a troça quantitativa dos espectadores soberanos, ou sob o insulto dos matadores encartados, legitimados, a quem exclusivamente cabe concluir a faena, liquidar o touro, recolher o aplauso, cortar orelhas e rabos, sair em ombros pela porta grande.
Uma democracia quantitativa até pode explicar, ou mesmo legitimar, ou ainda racionalizar, a indecência inexplicável do caso Miguel Relvas


    


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