domingo, 27 de janeiro de 2013


     A JUSTA LUTA DO PATRONATO POR MELHORES
          CONDIÇÕES DE VIDA
                                  (1)



Sempre muito se falou na justa luta dos desgraçados, dos operários, dos camponeses, dos empregados, dos proletários, em suma. Ninguém fala, nem dá vivas, à luta insana e secular do patronato contra os trabalhadores.  Porque o patronato, depois de séculos e séculos de luta sem quartel , ainda não se conseguiu ver livre dos trabalhadores.
- Portanto, o senhor paga o queijo…
- Pago o queijo? Mas qual queijo? Eu não comi queijo.
- Se não comeu foi porque não quis, o queijo estava na mesa.
- Mas então eu vou ter que pagar um queijo que não comi?
- Se não comeu foi porque não quis, o queijo estava na mesa, portanto tem que o pagar.
E o mundo está mais ou menos assim… assim, como esta história de queijo…
A fabulosa queda do muro de Berlim, tão entusiasticamente saudada pelo mundo e pela juventude -  diria mais, pelos trabalhadores, os tais proletários de todo o mundo que pouco se chegaram a unir -  foi o primeiro passo moral dado na cavalgada do patronato para o o poder  e a discricionaridade totais.
A queda do Muro queria também dizer que estavam por terra todas as ilusões. A queda do Muro foi o desencanto global quanto ao socialismo como sistema de vida mais justo.  E esse sistema salvífico –mas que afinal parece que proporcionava um salvação falsificada -  compreendia a estatização da economia, a centralização, a planificação que ordenava que os bens produzidos pela colectividade eram propriedade da totalidade dos cidadãos, que os bens, muitos ou poucos que houvesse, eram para distribuir por todos conforme as suas necessidades. E foram aos milhões os que acreditaram e deram a vida para que esta esperança nobre e grandiosa sorrisse aos homens.
A queda do Muro autenticou, a impossiblidade de uma utopia. Ninguém queria mais aqueles princípios.
Alguém pode ter dito que distribuindo tudo por todos, ficavam  todos pobres na mesma.
E todos queriam ser ricos.


A partir da queda do Muro tudo passava a ser permitido. E foi. E está a ser. E que cada um se salvasse como pudesse.



E pensar que houve um tempo  em que muitos de nós acreditavam que o socialismo era um sistema viável e vantajoso que poderia assegurar o bem estar material e até, pasme-se, a liberdade.
Quem acredita hoje nisso?
Mas também houve no passado tempos em que muita gente acreditava que o capitalismo privado e a economia de mercado eram sistemas imperfeitos de vida colectiva, económica; um sistema, além do mais, humana e socialmente injusto que não garantia o bem estar geral e empanava as liberdades.
 E hoje? Quem acredita também nesta?
Hoje dificilmente se arranja quem não ache o capitalismo privado e a economia de mercado o sistema único e o único eficiente para assegurar essas duas premissas básicas, o bem estar colectivo e a liberdade. Foi isto que pensou uma das cabeças mais importantes da economia contemporânea, Milton Friedman.
Foi o mercado a fé que veio ocupar o sentimento e a moral das massas que se confrontaram com a queda em fanicos do seu ideal de toda a vida. Afinal, o que era bom era o contrário de tudo aquilo em que haviam acreditado uma vida inteira.
O que era preciso eram reformas. Não revoluções.
O Consenso de Washington. Os países pobres poderiam tornar-se ricos. Como?
Disciplina fiscal. Taxas de câmbio competitivas. Liberalização dos comércios. Investimento – se possível estrangeiro. Privatizações. Desregulamentações.  Ai daquele que duvidasse da eficácia da mézinha e pensasse em resistir a estas ordenações superiores e abstractas.
Em Washington chega-se a um consenso para uma nova moral orçamental – ou seja, uma disciplina férrea nas contas estatais, ou seja, uma redução rigorosa das despesas públicas; ou seja, a liberalização absoluta das trocas comerciais, das regras dos mercados financeiros e da passagem das instituições criadas para servir o bem geral e público para as mãos de particulares; ou seja, uma reforma da fiscalidade. A nova ordem económico-financeira, vai, em termos filosóficos, criar um pensamento universal único.
O Consenso de Washington marcou as fronteiras: uma coisa é a economia do desenvolvimento; outra coisa é a economia ortodoxa.
Naquele dia 15 de Agosto de 1971 muita coisa vai começar no mundo e na vida das nações e dos homens, muitas transformações. Richard Nixon, então na presidência, proclama urbi et orbi  que os EUA acabam de suspender a convertibilidade do dólar em ouro.
É o fim de um sistema de vida monetária que começara no imediato pós-guerra. O capitalismo vai ser outro. Vai reformular-se a liberdade de manobra monetária, vai desregulamentar-se o mundo financeiro, a liberalização vai, enfim, alastrar, invadir as nações, as casas e as famílias.
Ajustamento estrutural!, gritou Washington aos países em vias de desenvolvimento. Toca a desmantelar as estruturas proteccionistas da economia – sobretudo as economias fortemente endividadas. Toca a reduzir os défices orçamentais e comerciais. É preciso saber, e depressinha, que empresas privatizar.
 As reformas liberais, dizem,  resultaram nalguns países e foram positivas e estabilizaram os preços e deram algum crescimento às economias. Os hospitais de alguns desses países é que começavam a sentir a falta de medicamentos. E as bolsas, primeiro eufóricas, também se começaram a tornar perigosas.
A década de 90 foi uma época de crises económicas e financeiras. Já ninguém se lembra?  Crises e retomas. Valorizações e desvalorizações. Nomeadamente entre 1994 e 1999. Crises que atravessaram fronteiras nacionais. Crises que perturbaram  os sistemas financeiros de alguns países, causaram falências, anularam os ganhos económicos anteriores feitos à custa de duras reformas e a provocar conflitos sociais.
À entrada do milénio já se ouviam  vozes preocupadas com a viabilidade das democracias nos países que se sujeitaram às reformas liberais. Irónico, não?
Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial serão os novos tribunais de um universo financeiro sem leis. Através deles, o modelo liberal de vida económica vai ser imposto à Ásia, à América Latina. E à Europa. Se não for a bem vai a mal. Se o capital investe milhões nessas regiões do mundo, resulta justo e moral que as queira configurar aos seus interesses. E mais do que isso, à sua maneira de viver a vida e apreciar as coisas.
A missão principal do FMI passa a ser a da abertura dos mercados nacionais, na escala do planeta, ao investimento e à apropriação dos bens humanos e naturais por parte dos países mais ricos, sem a mínima restrição à circulação das mercadorias, dos serviços e dos fundos. É a mundialização liberal.
O repertório de ajustamentos estruturais do FMI, receita de equilíbrio das contas dos estados mais depauperados, não é muito variado. Consta no essencial de: desvalorização da moeda nacional, se a houver; restrições severas nos orçamentos de Estado; despedimentos maciços; subida das taxas de juro; controle apertado dos salários; crédito restrito; corte de subsídios; aumento de tarifas nos bens de interesse e necessidade geral, água, electricidade, transportes; reforço de exportações; privatização de empresas públicas. O velho e conservador liberalismo, herança de um velho mundo com velhas regras e antiquíssima moral, vai passar a chamar-se neo-liberalismo. Vai ser agressivo. Vai varrer tudo à sua frente. Até os fossilizados mundos e as inteligentes e salvíficas ideologias que ficam do outro lado da Cortina de Ferro.
O neo-liberalismo vai ser tão militante que até lhe vão poder chamar neo-totalitarismo de fôlego global.
O primeiro valor moral, até então indiscutível, a caír ferido de morte é a capacidade de intervenção económica do Estado. E depois, a desregulamentação da economia mundial. E por consequência, a progressiva aniquilação da influência dos sindicatos – que só fazem sentido com uma economia e com uma relação de trabalho assente em claras regras de convivência com o capital, claro está. Mas se o capital abandona as regras, fatalmente que o trabalho se desmoraliza. Ou se amoraliza. O que conta é o dinheiro, a capacidade económica. Os sindicatos eram uma reserva moral de compensação de forças antagónicas. Mas quando unilateralmente uma dessas forças deita fora as suas regras de convivência, a outra esbraceja no escuro da selva. E perde-se.
Estado? Mas qual estado! A ordem será doravante o privado, a privatização. Tudo deve ter um proprietário. Todo o homem precisa de um patrão objectivo e concreto para cujo interesse está condenado a trabalhar, que é como quem diz que todo o escravo não o é se não tiver um dono.
O destino da instituição Estado é ser um Estado mínimo, uma regressão ao minimal. E esta regressão ao minimal limita-lhe a acção ao mínimo, é evidente.
Os estados perderam toda a força de se oporem aos mercados, ao mercado. Perderam a vontade de o fazer, antes de mais. E também deram de mão aos meios para tal. Limitaram-se a consagrar as directivas de política económica – e da outra, claro está, por consequência – que lhes são ditadas pelos organismos económicos à escala mundial.
Por isso os políticos favoreceram nas últimas décadas a liberdade de circulação de capitais, a voga das privatizações e a transferência de centros de decisão – mesmo no tocante à saúde pública, à educação, ao ambiente e à cultura – da esfera governamental e do interesse do público nacional em geral para as mãos do capital privado e internacionalizado.
São os dirigentes das empresas privadas e de raio de acção mundial que comandam a economia das democracias através da imposição das medidas  políticas convenientes.

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